Bukowski, poeta

Já foi comentada a qualidade da poesia de Charles Bukowski, inclusive diante do que sua prosa tem de oscilante, variando do sublime ao confuso, do exercício de estilo ao depoimento pungente, passando pelos trechos engraçados que o caracterizam como um mestre do sarcasmo e da ironia depreciadora. Um dos exemplos dessa poesia é “Feras saltando através do tempo”, postado a seguir: versão enxuta dos relatos de conflitos de artistas com a sociedade, da mesma família de “Morte à orelha de Van Gogh!” de Allen Ginsberg e, mais tarde, do “Relatório para ninguém fingir que esqueceu”, de Roberto Piva.

Está, com outros poemas dele, na coletânea Poesia beat, recém-lançada, organizada por Sergio Cohn, da Azougue editorial. Oferece um excelente panorama, através dos representantes típicos da beat, e de autores afins, como os do grupo do Black Mountain College, Charles Olson e Robert Creeley, e do etnopoeta Jerome Rothemberg. Mostra continuidades e convergências na moderna poesia norte-americana. Tudo é traduzido e apresentado, por Cohn e colaboradores, de modo claro e preciso. Sabem do que estão falando. A destacar, a inclusão de alguns “refrões” dos Blues de Jack Kerouac: no bater de olhos, já se vê que é um poeta diferente, complexo e substancioso. Portanto, um corretivo ao modismo de depreciar Kerouac, assim responsabilizando-o pelo sucesso de On the Road.

 Charles Bukowski

FERAS SALTANDO ATRAVÉS DO TEMPO –

Van Gogh escrevendo para seu irmão pedindo tintas

Hemingway testando seu rifle

Céline fracassando como médico

a impossibilidade de ser humano

Villon expulso de Paris por ser um ladrão

Faulkner bêbado pelas sarjetas da cidade

a impossibilidade de ser humano

Burroughs assassinando sua mulher com um tiro

Mailer apunhalando a sua

a impossibilidade de ser humano

Maupassant enlouquecendo num barco a remos

Dostóivesky de pé contra o muro para ser fuzilado

Crane fora da popa de um navio indo em direção à hélice

a impossibilidade

Sylvia com a cabeça no forno como uma batata assada

Harry Crosby saltando naquele Sol Negro

Lorca assassinado na estrada pelas tropas espanholas

a impossibilidade

Artaud sentado num banco de hospício

Chatterton bebendo veneno de rato

Shakespeare um plagiário

Beethoven com uma corneta no ouvido contra a surdez

a impossibilidade a impossibilidade

Nietzsche enlouquecendo completamente

a impossibilidade de ser humano

todos demasiados humanos

esse respirar

para dentro e para fora

para fora e para dentro

esses punks

esses covardes

esses campeões

esses cachorros loucos da glória

movendo esse pontinho de luz para nós

impossivelmente.

(tradução de Sergio Cohn)

7 responses to this post.

  1. “tenho uma sinceridade interior nascida de putas e hospitais”

    para mim, nada supera esse verso. Bukowski é tão inesgotável feito uma garrafa de whisky… amo!

    Beijos, professor! Que post, hein! maravilhoso!

    Lou

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  2. Gosto do Bukowski, quase (ou tanto) quanto dos Beats. Mas ele mesmo negava pertencer a qualquer movimento dito literário, mesmo a Beat, da qual foi contemporâneo. Encontrou-se com Ginsberg algumas vezes. Existe uma biografia excelente que saiu pela Conrad: “Charles Bukowski : vida e loucuras de um velho safado” de Howard Sounes (tradução de Tatiana Antunes) em que isso pode ser comprovado.

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  3. Os versos do beat Charles Bukowski ferem a cara malcriada daqueles que se tornam impossivelmente humanos. Toda humanidade desejada, toda nudez enaltecida, toda glória de ´(in) glórias vomitadas na insensatez da alma humana. Viva Bukowski!

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  4. Posted by rogeriosouzavicente on 05/09/2012 at 21:20

    Reblogged this on Tempestade.

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  5. Posted by Eiane Boscatto on 06/09/2012 at 00:29

    Também gosto dele. Dessa por exemplo: “Cheguei numa fase da minha vida que vejo que a única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir, nem sei o que vou fazer, fui péssimo em tudo”.
    Charles Bukowski

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  6. Posted by srta T. on 06/09/2012 at 08:54

    “(…) I’m not Shakespeare
    but sometime simply
    there won’t be any more, abstract or otherwise;
    there’ll always be mony and whores and drunkards
    down to the last bomb,
    but as God said,
    crossing his legs,
    I see where I have made plenty of poets
    but not so very much
    poetry.”
    trecho de “to the whore who took my poems”, de Burning in Water Drowning in Flame: Selected Poems (1955-1973), C. Bukowski

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  7. Só precisa corrigir Dostóivesky para Dostoiévski, não?

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