Disse que interromperia a série sobre poesia e ocultismo (retomarei) e publicaria aqui a Carta ao Papa de Antonin Artaud (publicarei).
Antes, o que outros poetas disseram sobre o tema.
William Blake:
Os poetas da Antigüidade animaram todos os objetos sensíveis com Deuses ou Gênios, nomeando-os e adornando-os com as propriedades dos bosques, lagos. cidades, nações e tudo o que seus dilatados sentidos podiam perceber.
Particularmente, estudaram o Gênio de cada cidade & país, colocando-o sob a égide de sua deidade mental.
Até que se formou um sistema, do qual alguns se aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando e abstraindo as deidades mentais de seus respectivos objetos. Então surgiu o Clero;
Elegendo formas de culto dos mitos poéticos.
E proclamando, por fim, que assim haviam ordenado os Deuses.
Os homens então esqueceram que Todas as deidades residem em seus corações. (William Blake, O Casamento do Céu e do Inferno e outros escritos, tradução e notas de Alberto Marsicano, L&PM)
Walt Whitman:
Em breve não existirão mais sacerdotes. O trabalho deles está feito. Eles podem esperar um pouco … talvez uma ou duas gerações … sumindo gradualmente. Uma raça superior deverá tomar o seu lugar … as gangues do kosmos e os profetas da massa tomarão seus lugares. Uma nova ordem deve surgir e eles devem ser os sacerdotes do homem e cada homem será seu próprio sacerdote. As igrejas erigidas sob suas sombras devem ser as igrejas dos homens e das mulheres. Através da sua própria divindade o kosmos e a nova raça de poetas devem ser os intérpretes dos homens e das mulheres e de todos os acontecimentos e coisas. (Walt Whitman, Folhas de relva, tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes, Iluminuras)
“A nova raça de poetas”: Whitman antecipou os beats? Ou eles fundamentaram suas tomadas de posição nas mensagens do bardo norte-americano? Não foram os únicos: Whitman maravilhou autores tão diversos quanto T. S. Eliot, Fernando Pessoa, García Lorca, Jorge Luis Borges.
O qie importa: para Blake, Whitman e outros cultores de religiões pessoais, as igrejas organizadas não possibilitam o acesso ao sagrado, porém o seqüestram ao institucionalizá-lo e monopolizá-lo, impondo dogmas e a obediência à hierarquia clerical.
Deu nisso que estamos presenciando.
Folhas de relva me dá a impressão de ser uma original hipérbole do “Tudo o que vive é sagrado” de Blake. Teria Whitman lido Blake? Ginsberg achava que sim – o grupo dos transcendentalistas, Emerson, Thoreau, Alcott, interlocutores de Whitman, conhecia Blake, diz ele. Mais importante, penso, foi conhecerem textos dos místicos neo-platônicos que inspiraram Blake e Whitman.
Para completar, de um filósofo do Romantismo, Friedrich Schegel: “Apenas aquele que tem uma religião de si mesmo e uma concepção original do infinito pode ser um artista.”.
Aproveitei trechos do meu Os rebeldes: Geração beat e anarquismo místico, ainda inédito, que deve sair este ano (tenho a impressão de finalmente haver conseguido escrever um ensaio bom…).
Posted by Lou Albergaria on 27/02/2013 at 19:01
Professor, peço licença para deixar um poema marginal aqui em seu blog de minha autoria, pois achei ser muita coincidência (?) ter escrito um poema que versa exatamente sobre o tema do seu post que aliás está perfeito, como sempre.
NAMASTÊ ENTRE LOBOS
Teus olhos anfíbios
me tomam
a seco
Depois marejados amam
Eu des-faleço.
A vida é utopia! se tento
me aproximar dos deuses
– É nos bichos que encontro
aconchego!
:
O animal que existe em mim
saúda o animal que existe em você.
**
Beijos!!
Posted by Vince Vinnus on 27/02/2013 at 21:06
As religiões institucionais sempre me causaram o efeito colateral do ceticismo. Aula de religião e quando não filosofia com viés majoritariamente católico muitas vezes causaram efeitos físicos de asco, vertigem e afastamento, propiciando muito material para um ateísmo quase ortodoxo. Confesso que foi só com leituras e releituras dos poetas citados nesse texto sob orientação do seu ‘Um obscuro encanto’ que me dei quanto da possibilidade de uma existência religiosa no sentido de Blake, Whitman e dos Beats. Ás vezes dá até para embarcar em algumas ‘teorias de conspiração’ e acreditar que essas religiões estão mesmo a serviço justamente de um afastamento (programado) do Homem e sua verdadeira essência (poética).
Posted by Eduardo Ribeiro Toledo on 28/02/2013 at 03:45
Vince, eu tenho o mesmo relato. Depois de um tempo, fui compreender – e não digo que é caminho ou regra pra ninguém – que o fenômeno religioso (seja como o defina) é uma experiência pessoal. Só isso. Experiência pessoal, de vida, de cotidianos ao acaso, de seja lá como aconteça. Não posso dizer pra ninguém como é; e ninguém pode me convencer do contrário sobre o que eu penso.
Posted by célia musilli on 28/02/2013 at 10:27
Poesia é religião. Transcende. Faz tempo que intui, a arte nos move ao infinito, como neste poema que escrevi inspirada na tela Rosa Meditativa de Salvador Dalí:
MEDITAÇÃO DA ROSA
Eterna umidade láctea, sangue e líquen das veias impalpáveis, entrada e saída das lutas mitológicas, fertiliza o desejo, a criação, o parto, entre as pernas abertas de várias gerações, no campo vertiginoso do cio.
Senhora volátil, nuvem, ninfa, gota, flor, serpente, penetra com seus óvulos os segredos da linguagem, revela a delicadeza, a arte, o milagre que espalha o canto. Pó e ouro na rima do inconsciente, alquimia entre o almíscar e a calêndula.
Rosa mística da carne, nas mãos trêmulas do espírito concede-me a matéria-prima do verso, que fura os olhos do misterioso verbo astral e tinge as pétalas. Palavras de vermelho vivo.
Posted by León Ferrari versus Jorge Mario Bergoglio: o artista contra o prelado | Claudio Willer on 14/03/2013 at 18:38
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