Gosto de poemas serem os tópicos mais acessados neste blog. Isso de inventar concursos, já fiz em oficinas de criação poética. Postagem anterior teve uns 700 acessos e recebeu excelentes comentários, além do que veio pelo Facebook. Intenção foi mostrar que poemas, mesmo escrito no modo espontâneo, reescrevem. Textos já lidos, a relação é semelhante àquela dos “restos do cotidiano” com o sonho segundo Freud. Mesma coisa que aquele meu poema sobre os corpos, É assim que deve ser feito, escrita automática, mas ao final parafraseei um poema de Ginsberg do qual me havia esquecido.
O ganhador do concurso é o poeta e filósofo Lucas Guimaraens de Belo Horizonte, MG. Receberá, portanto, exemplar de livro meu autografado. Reproduzo o que escreveu e já está nos comentários ao post precedente:
- Difícil esta tarefa. Claro que pensei em algumas referências demasiadamente bairristas, por isso não as coloquei na lista abaixo, como é o caso do “Poema Sonhado” de Alphonsus de Guimaraens Filho etc (“Se não for pela poesia, como crer na eternidade?”, verso efetivamente sonhado, balbuciado e copiado por sua mulher). De toda sorte, a lista ficou ora mais direta, ora mais indireta. Pensando bem, alguns pontos não são citações ou alusões mas, sobretudo, referências (ao menos para mim). Vamos lá:
1 – Referência às cores: simbolismo (o lilás…), Rimbaud?
2 – Inexistente casa em frente: a casa abandonada onde reside o Aleph de Borges?
3 – Escrever durante o sonho: Lautréamont? “On ne rêve que lorsque l’on dort. Ce sont des mots comme celui de rêve, néant de la vie, passage terrestre, la préposition peut-être, le trépied désordonné, qui ont infiltré dans vos âmes cette poésie moite des langueurs, pareille à de la pourriture. Passer des mots aux idées, il n’y a qu’un pas.”
(Lautréamont, Poésies – I)
4 – Nunca Mais: Poe e seu O Corvo
5 – “Mergulho” para “rememorar o futuro” e, em seguida, a remissão a Açores: não seria Altazor de Huidobro?
6 – O “ouro do tempo”: André Breton e, mais atualmente, nome do filme espanhol de Xavier Bermúdez, de 2013
7 – Poesia moderna e o sagrado: Piva e tantos outros?
A seguir, as minhas observações:
1. Oximoros, antinomias, paradoxos:
1.1. “a viagem pela escuridão e suas luzes”
1.2. “um vozerio de festa na rua, saindo de uma inexistente casa em frente”
1.3. “mergulho para rememorar o futuro e antever o passado”
1.4. a própria mudança constante, é o mecanismo do sonho
2. Citações, alusões a outros autores:
2.1. o título, A verdadeira escrita automática: André Breton, Le méssage automatique,
2.2. as cores da caneta: viram Rimbaud, alquimia do verbo –não havia pensado nisso, podia ter acrescentado menção a vogais (e consoantes).
2.3. frase sibilina: Breton, Le lá
2.4. nunca mais –Poe, é evidente
2.5. e assim soa a voz da sombra: La bouche d’ombre, Breton e Victor Hugo.
2.6. a poesia moderna e o sagrado: Jules Monnerot, La poésie moderne et le sacré.
2.7. ilhas, uns Açores e Baleares: Açores, onde se passam episódios de L’amour fou, O amor louco de Breton.Baleares, …Palma de Mallorca? o que poderia ser? “Tu és ilha”, Jorge de Lima, Invenção de Orfeu.
2.8. e tudo estará bem: T. S. Eliot, Quatro quartetos, “Burnt Norton”.
2.9. belo / como umas roupas em um varal ao sol do meio-dia: os “belo como” de Lautréamont, mas inverti, em vez de uma comparação esdrúxula, algo realmente belo.
2.10. enquanto vamos nos acercando ao ouro do tempo: Breton, a inscrição na lápide dele, “Je cherche l’or du temps”, mas reparem como emenda com o “ouro inteiro” da epígrafe de Helder, tornando o poema circular.
Posted by Marli fernandez on 01/02/2014 at 14:43
Conheço a obra de Lucas Guimarães e considero justa a premiação. Sua poesia é atemporal e espontânea, mas reflete o criador e a criatura, a poesia e seu tema – ou a forma do poeta.
Posted by carlos on 05/02/2014 at 21:10
humm pensava mesmo desconfiando que os dois rapazes que me levariam de automóvel à cidade …. era algo de Kerouac
Posted by carlos on 05/02/2014 at 21:11
Prêmio muito merecido e ótima instigação, Willer!