
Sobre a mostra Navalha no Olho – o exercício do olhar no cinema surrealista, informa o Centro Cultural São Paulo:
Esta mostra busca encontrar nos mais diversos estilos os aspectos mais profundos do surrealismo. Contará com a colaboração na curadoria de Claudio Willer (poeta, ensaísta e tradutor, ligado à criação literária mais rebelde e ao surrealismo) e com sua palestra gratuita no dia 13/4, sexta, às 19h10.
Sala Lima Barreto (99 lugares). R$2,00 – a bilheteria será aberta uma hora antes da primeira sessão do dia (consulte a programação completa das duas salas de cinema do CCSP no site circuito Spcine)
PROGRAMAÇÃO
dia 6/4 – sexta: 15h15 O expresso de Shanghai de Joseph von Sternberg; 17h Via Láctea ou O estranho caminho de São Tiago de Luis Buñuel: 19h Cidade dos sonhos – Mulholland Drive de David Lynch.
dia 7/4 – sábado: 15h Pandemônio – Hellzapoppin’ de H. C. Potter; 17h A idade do ouro – L’Âge d’Or e Um cão andaluz, Um Chien Andalou de Luis Buñuel; 19h30 A bela da tarde – Belle du Jour de Buñuel;
dia 8/4 – domingo: 15h30 O expresso de Shanghai; 17h Malpertuis de Harry Kümel; 19h30 Poesia sem fim de Alejandro Jodorowsky;
dia 10/4 – terça: 15h30 Pandemônio; 17h Amor sem fim de Amor sem fim, Peter Ibbetson, de Henry Hathaway; 19h Cidade dos sonhos
dia 11/4 – quarta: 15h Malpertuis; 17h Veludo azul de David Lynch; 19h30 Poesia sem fim
dia 12/4 – quinta: 15h Via Láctea ou O estranho caminho de São Tiago; 17h30 Amor sem fim; 19h30 Veludo azul
dia 13/4 – sexta: 15h A idade do ouro + Um cão andaluz; 17h15 A bela da tarde
19h10 Palestra com Claudio Willer
As sinopses e fichas técnicas estão aqui: http://centrocultural.sp.gov.br/site/eventos/evento/navalha-no-olho/
MEUS COMENTÁRIOS: Cinema é arte surrealista, e essa mostra poderia ser infinita. Só de Buñuel, poderiam ser uns dez filmes. Fizemos, Carlos Gabriel Pegoraro e eu, a programação possível, levando em conta a disponibilidade das cópias e de tempo, e o exame dos vários modos de olhar para o cinema, a partir do surrealismo. Além do mais evidente – L’Âge d’Or etc – adicionamos algumas raridades, como o estranho Malpertuis de Harry Kümel e Pandemônio – Hellzapoppin’ de H. C. Potter. Ambos, quem me chamou a atenção para eles foi Raul Fiker, cinéfilo voraz (assíduo nas exibições do Goethe e do MASP há algumas décadas) – . Hellzapoppin’, ele chegou a programar em um ciclo sobre surrealismo que coordenou na UNESP de Araraquara. Presto, assim, uma oblíqua homenagem ao amigo recentemente desaparecido. Ainda sobre Hellzapoppin’, caberiam outras comédias de escracho – Irmãos Marx, é claro, ou o melhor Jerry Lewis de O Mensageiro, The Bellboy. Mas vem sendo exibidas com frequência na TV a cabo. EM TEMPO: Nas sinopses, os dois protagonistas de Amor sem fim, Peter Ibbetson, de Henry Hathaway se encontrarem no Além é por conta da distribuidora, suponho – essa categoria, Além, é inteiramente estranha a André Breton, que amava esse filme. Exporei os motivos, em minha palestra.
Há uma entrevista comigo que certamente o Centro Cultural São Paulo divulgará, mas da qual reproduzo desde já os trechos iniciais:
- Quais são as principais características do cinema surrealista? R. Não há uma “forma” ou estilo surrealista. A relação é bilateral, o surrealismo está na obra e na sensibilidade de quem a aprecia. No entanto, posso destacar a dimensão onírica, a afinidade com o sonho. Filmes de cinema, mesmo os que narram uma história no modo discursivo, com histórias que têm começo, meio e fim, têm algo de sonhos projetados em uma tela. Como já foi dito (por Ado Kirou entre outros), cinema é arte surrealista. Enxergamos mais do valor de O expresso de Xangai de Von Sternberg, inclusive o modo como driblou a censura, a partir de uma sensibilidade aguçada pelo surrealismo. Carlão Reichenbach sabia disso, por isso batizou sua obra mais onírica de Filmedemência, anagrama de Filme de cinema. Lembro que um filme preferido por Breton, colocado por ele no mesmo plano que L’Âge d’Or de Buñuel, foi Peter Ibbetson (Amor sem Fim), de 1935, dirigido por Henry Hathaway e estrelado por Gary Cooper e Ann Harding. A história de um homem e uma mulher que se amam desde a infância. Ele é pobre. Ela foi destinada a outro pelo pai. O apaixonado, por acidente, mata esse pai, que o atacava. Vai preso. Na prisão, é espancado, quebram-lhe a coluna. Imobilizado, espera a morte. Mas sonha. Em seus sonhos, encontra a amada. Essa também sonha – e também o encontra. Ambos sonham o mesmo sonho, de modo sincrônico. Vivem por anos a fio, vão envelhecendo, sustentados pelos sonhos, realização do que a sociedade patriarcal e autoritária lhes negou. Dramalhão? Para Breton, a celebração do amor romântico, absoluto, sem limites: ganhou seu entusiasmo pela fusão de realidade e sonho, tópico surrealista por excelência. )P. Qual o desafio que esse cinema, como um “exercício do olhar”, propõe ao espectador? R. Em Nadja, a narrativa de Breton que é uma das portas de entrada no surrealismo, há um trecho sobre o “sistema que consiste em jamais consultar o programa antes de entrar num cinema”. Nele, a lembrança do oitavo e último episódio de um filme em série “no qual um chinês, que havia encontrado não sei que meio de se multiplicar, invadia Nova York sozinho, com alguns milhões de exemplares de si mesmo”. É Les Empreintes de la Pieuvre(Os rastros do polvo). Nunca mais alguém lembraria Les Empreintes de la Pieuvre, se Breton não o houvesse comentado, valorizando justamente o que o filme tem de absurdo, de manifestação da imaginação desenfreada.
Há mais em uma série minha sobre surrealismo e cinema, publicada na revista Reserva Cultural e subsequentemente reproduzida aqui: http://www.tertuliaonline.com.br/postagem/ver/330 e http://www.tertuliaonline.com.br/postagem/ver/326