Da flipização à bienalização

O poeta e dirigente cultural Frederico Barbosa postou no Facebook uma coletânea de tópicos sobre a recente Bienal do Livro do Rio de Janeiro, extraídos da página de internet daquele evento. Ilustram o manifesto a que deu o título de “M.E.R.D.A. (Mercado Editorial Reprodutor de Asneiras)”. Fiquei na dúvida sobre comentá-lo ou apenas endossá-lo na minha página no Face. Mas a coletânea que Fred selecionou é irresistível. Merece difusão ampla. Um título ou chamada como “Autor nerd vira best-seller após ser hit na web” deveria figurar em todos os manuais de redação.

Vejam o florilégio:

Autor de best-seller limpou privadas antes de ser escritor

William P. Young já vendeu mais de 12 milhões de cópias de ‘A cabana’

‘Vampiros não existem’, diz a escritora Anne Rice

Veja diferenças entre vampiros de Rice e Meyer

Bienal tem público recorde no feriado

Autor nerd vira best-seller após ser hit na web

Eduardo Spohr conta como vendeu 180 mil.

Nadamos na incerteza, diz dra Lisa Sanders

Adolescentes fazem fila para ver Alyson Noël

Em entrevista ao G1, escritora fala de série teen

Novo dicionário escolar reconhece expressões ‘periguete’ e ‘tuitar’

Em novo livro, autor derruba mitos históricos

Investimento no setor de moda aumenta 95%

‘Vender um 1 milhão de livros é razoável’, diz autor de ‘1808’

Usei o Facebook para conseguir lançar meu livro

‘Uma professora muito maluquinha’

‘Não tinha hábito de ler na infância’, diz a atriz Paola Oliveira

Ziraldo fala sobre confusão na Bienal do Rio

Turma da Mônica vai virar gente grande

Hilary Duff ‘Não gosto que pensem que sou perfeita’

Atriz distribui autógrafos na Bienal do Livro

Deve haver pessoas recuperando-se do susto provocado pela revelação de Anne Rice, de que vampiros não existem. Mas a coroação escapou ao inventário de Fred, pois saiu hoje em O Estado de S. Paulo: “conseguimos fazer a melhor Bienal de todos os tempos”, declarou a presidente do SNEL, Sonia Jardim. Viva … ! É a flipização da literatura, do mercado editorial e do jornalismo.

Nada contra a FLIP: encontros de autores com o público podem ser produtivos, estimulando leitores. Um dos benefícios colaterais: a imprensa perceber que o encontro literário de Passo Fundo, que trancorre há décadas, existe.

Preferia, é claro, que a poesia tivesse lugar central, assim como em acontece em outros países – mas aqui interessa o que “vende” (falsa lógica do mercado: no Festival de Medellín, onde estive ano passado, o público comprava bastante livros de poesia).

O problema não reside nos eventos, nos quais editores, agentes e organizadores desempenham as funções que lhes cabem, porém no jornalismo que se ocupa deles. Reparei nisso ao participar em 2008 da Bienal do Livro de Fortaleza, coordenada por Floriano Martins. Um dos jornais locais críticou a falta de “celebridades” nas palestras e debates: observei que deviam prestar atenção no conteúdo da programação, e não na projeção de seus integrantes. Além disso, a celebridade tornou-se circular, tautológica: o autor não é mais reconhecido pela contribuição literária enquanto tal, mas por figurar na programação. E pelo desempenho em público. Nesta última FLIP, havia expectativa quanto à argentina Pola Oilaxarac. Ao que parece, não impressiou em sua apresentação: nunca mais se falou nela. Os maus modos de outro dos convidados, terão eles desestimulado possíveis estudiosos do Holocausto? O angolano “valter hugo mãe” foi antecedido por uma apreciação negativa por Alcir Pécora; mas sua fala na FLIP agradou, consolidando sua reputação. Como esse crítico já chegou, até mesmo, em ocasiões, a manifestar-se favoravelmente a algum autor, o que ele escreveu sobre “walter hugo’ deveria ter suscitado discussão – mas não, nada, assim sancionando a inutilidade da crítica, inerme diante de um noticiário que, como se vê pela seleta de Fred Barbosa, copia o estilo e temas da revista Capricho, tal como era algumas décadas atrás. Aliás, hoje as colunas de “sociedade”, programas de TV e outros ramos do show-business têm mais substância filosófica do que o noticiário sobre literatura.

Insisto: nada contra eventos, nenhum reparo à eloquência e simpatia de escritores – nem poderia: tenho aceito convites e, aparentemente, consigo expressar-me em público. Não pode, porém, haver inversão, o personagem no lugar da obra. Se não, onde ficaria um Herberto Helder? (entre outros que não suportam a midiatização)

Mais grave é, à margem do desfile de banalidades – tomando o rumo, pela amostra selecionada por Fred, de uma apoteose da subliteratura nessa última Bienal do Livro (Eduardo Spohr…? Lisa Sanders….? Paola Oliveira …? Hilary quem….?!? o que….??!?) – haver tanta literatura de qualidade a ser publicada sem registros condizentes. Ainda voltarei a escrever a respeito; e também sobre a sinergia desse tipo de recepção da literatura e as recentes informações sobre resultados do ENEM, sobre continuarmos a girar em falso na educação.

Em tempo, em um comentário postado mais tarde, para deixar bem claro: se o mercado está “bombando” (dois chavões prediletos de funcionários de livrarias: de que o mercado está “bombando” e de que algum livro vende “como água”), então deviam aproveitar essa melhora de poder aquisitivo para promover alguma contribuição cultural. E aumentar as tiragens para, com a maior escala, baixar preço dos livros, demasiado caro aqui, dificultando o acesso de boa parte do público à leitura. Isso, enquanto o livro eletrônico não chega, modificando radicalmente o perfil desse mercado – talvez eventos como esta Bienal triunfalista sejam o Baile da Ilha Fiscal do mercado editorial tal como o conhecemos.

21 responses to this post.

  1. Professor,

    Concordo plenamente contigo.
    As grandes feiras de livros se tornaram, há tempos, passarelas de celebridades ( daquelas que a gente nunca sabe o que fez- porque não fizeram nada de útil) e uma ausência constante de escritores de verdade.

    Se falou de tudo nessa bienal, mas muito pouco de literatura.

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  2. bravo, Willer e Fred.

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  3. Posted by Garoto Juca on 13/09/2011 at 17:48

    Tanto barulho por causa dessas “boas novas velhas”? Faz tempo que a coisa está assim, embora compreenda que estão conseguindo deixar “pior” o que já era “muito ruim”. Convenhamos que há muito mais a se fazer — principalmente politicamente (e falo em política aqui para além do meramente partidário, em sua dimensão ética, a ser vivida no dia-a-dia, na transversalidade) — do que se importar com Bienal do Livro, celebridades globais posando de escritor, jogadores de futebol tentando autografar livros etc. Há coisas inclusive mais urgentes. Qualquer coisa eu tenho uma enxada extra aqui, se precisar é só falar e eu separo pra vc. Nada melhor que duas horas carpindo ou levantando parede. Recomendo.

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    • Juca: a) piorou – e já participei de boas programações culturais em bienais, ou de bienais com boas programações; b) mediação da imprensa é fundamental, decisiva, determina recepção, e por isso tem que ser exigida melhora.

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      • Posted by Garoto Juca on 13/09/2011 at 18:00

        A enxada continua aqui. Se precisar é só falar. Outra coisa: não existe “imprensa independente”, isso é contraditio in adjectio, tal como “imprensa inteligente”.

      • Posted by Garoto Juca on 13/09/2011 at 18:03

        Decisiva para o que…? Para a alimentação da própria midia? É um círculo vicioso, cara… No final, a escolha é binária: se curvar à mídia (num double coup, já que se curva, a bem da verdade, ao mercado) ou se curvar ao estado… No fundo, não há nada a perder…

  4. Posted by Garoto Juca on 13/09/2011 at 17:53

    Ah sim, mais uma: não é “Paola Oixarac”, e sim “Pola Oloixarac”. Sei que não faz muita diferença (mesmo ela não sendo das piores, principalmente para quem consome Joca Rainer Terron, Ronaldo Bressane, Daniel Galera, Nelson de Oliveira etc), mas, enfim…

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  5. Posted by Garoto Juca on 13/09/2011 at 18:05

    Está na hora de Claudio Willer organizar uma segunda Feira de Poesia, mas com uma (des)articulação anárquica, sem logotipos do estado ou de banqueiros, feita de puro desejo…

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  6. Num país em que os poetas se escondem atrás de romances para conseguir sobreviver (Vender).
    Não há de se esperar mais nada.

    Parabéns Willer.

    Abraço poéticos,

    Luiz D Salles

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  7. Um dos episódios mais tristes da bienalização dos eventos literários aconteceu em Porto Alegre, na tradicional e deformada Feira do Livro. A poeta Telma Sherer foi presa pela Brigada Militar e levada para uma delegacia ao fazer uma performance poética na Feira. A alegação dos expositores para a queixa policial? a artista estava atrapalhando o fluxo de pessoas na Feira. Estamos beirando a barbárie… a relação pura e boçal do mercado do livro continua cada vez mais selvagem.
    Um abraço! Parabéns pelo texto…

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  8. Posted by Garoto Juca on 14/09/2011 at 11:08

    Usar a internet como plataforma não significa apenas postar amenidades ou fazer proselitismo no Facebook, ou ainda entulhar caixas de entrada com e-mails sobre eventos que acontecerão no espaço ‘real’. Usar a internet como plataforma significa compreender a dinâmica interna dessa mídia e compreender o efeito que ela tem sobre a subjetividade – e o principal desses efeitos é justamente a possibilidade de modulação de identidade, meu caro… Na internet, não é preciso se “mostrar”, até porque o debate deve ser sobre ideias e não sobre pessoas… Na internet só se mostram aqueles acometidos por sede de nomeada e os habituais papagaios de pirata. Vc não pode simplesmente responder o que foi colocado, sem se incomodar com isso? Não adianta estarmos vivos em 2011 com um frame mental que é do século XX.

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    • não … ! só converso com quem sei quem é – idem no face, não adiciono quem esconde infos pessoais. frame mental de século XX? a minha é de virada do sec. XVIII para XIX – às vezes sec. XV, aquele grupo de hermetistas com o qual eu colaborava…

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  9. Posted by Contador Borges on 14/09/2011 at 12:39

    Grande Willer!

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  10. viva! vamos lá? (Floripa) – as vezes em que fui, achei bom.

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  11. Posted by Lidiany on 13/03/2012 at 10:19

    Muito bom! Viva a poesia!

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  12. Adorei a matéria Willer e Fred. Realmente, temos visto isto por aí mesmo. Aqui no Flipoços, Festival Literário de Poços de Caldas, desde o início temos tomado muito cuidado com isso. Ou seja, valorizar os escritores de verdade e mesmo os que não sejam “ilustres” ainda. Mas nem todos os ilustres são banais, claro. O que quero dizer é que procuramos sempre a valorização do conteúdo literário, sendo ou não “figurão”. Exemplo disso e que muito me orgulha, é o fato do Professor Caetano Galindo, distante deste universo “fashion” da literatura e que não havia ainda participado de festas literárias, esteve aqui no Flipoços este ano e que hoje recebe um prêmio muito importante na ABL pela bela tradução de Ulisses. James Joyce é famoso, mas Galindo ainda não….mas talvez agora, vá ficar também!

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  13. Vamos Criar a FLAPN-Feira Livre de Arte de Porra Nenhuma – Abaixo as Panelas Editoriais… http://www.portas-lapsos.zip.net

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  14. ‘Troios Perigritantes’ Livro de Microcontos de Silas Correa Leite

    ‘Troio’ é um neologismo para a mistureba de joio e trigo, numa catança marota de twittercontos, loas mínimas e nanoprosa do autor que vão de pensadilhos jocosos (Pensamentos trocadilhos) a pensagens irônicas (pensamentos mensagens), passando por doses de incompletudes urbanas/humanas em drops cênicos. Microcontos, (rastilhos/meteoritos), barbaridades e extravagâncias, feito derrama em sachê de mixórdia para rir, ficar de butuca sacando o quase, achar ruim pela desnatureza do vagido que é regurgitado, desde a desvairada Paulicéia S/A. Prosa de desvairados inutensílios agora em quinquilharias letrais. Nesse pocketbook, stories que clarificam em atos mínimos o inominável e o indizível.
    …………………………………………………………………………..
    Quando escrevo permaneço em um nível de
    concentração que me permite criar vozes e frases
    estranhas a mim. John Banville, Luz Antiga

    Fixar o alvaiade no rosto com máscara. Dalton Trevisan em drops? Quem tem Orkut tem medo. Sampa… nem ‘dulcora e nem eldorado’. Os coxinhas hedonistas retratados. Nelson Rodrigues pósmoderno em tempo de infovias efêmeras como cincerros? Cenas de sangue cênico como Plinio Marcos meio Bukowski tramando subterrâneos. Pinceladas rápidas em Glauber de/compondo cenas de instante-trevas. O certo e o errado, o ‘flagramenthus’ a arrebentação. Trigo e joio, num neologismo: TROIO.
    A palavra iluminando o silencial. Quinquilharias de mini’stories’, contos mínimos, parágrafos saindo pela tangente, pelo ladrão. A culatra da ironia, o desdizer, do, curto e grosso “mãos ao ato” em si. Naniquidades perversas em narrativas rápidas e rasteiras. O que alguém tem a dizer, quando escreve contos nanicos como fotografias em 3X4 de um lambe–lambe fake mambembe em sépia, a palo seco? O conto-quase no haraquiri das palavras. Contos rastilhos que, quando saem, alvoroçam clarificações indizíveis, feito desvairados inutensílios em narrativas contundentes.
    O que ninguém quer sacar, tem medo de, escoa o meio, a sociedade, o medo-rabo de um ‘mondo cane’ em bravatas, panurgismos e polvorosas, como se a fazer ‘petalamentos’ de promessas ‘perigritantes’, feito ‘ilumideias’ em almanaque de micronarrativas telúrico-lustrais. Conversa afiada pra boy dormir, sacadas-coivaras em quinquilharias narrativas como naniquidades perversas.
    No final, todos tiramos o boné cabritado para tantas esquisitices? Viver é plágio, sobreviver é platônico e escrever é ‘daltontrevisanar’ o rancor, o escárnio, o vitupério, a vicissitude, o sígnico, desde o campo de lavanda com corvos, passando por uma espécie de brincar de esconde-esconde com o trágico, o cômico, o próprio abismo das alienações purgadoras. A faca é cega mas ainda acorda.
    Tudo é possível ao que cria. De perto ninguém é normal, cantou Caetano Veloso. O importante é que a erosão social dê o que falar? Quando o perto fica mais perto, nesse momento expande o universo, disse Helena Katz (Colônia Penal). Deve ser isso o troio perigritante, em tons de cinza. TROIOS PERIGRITANTES como cerebrança de arreios, nódoas e inquietações. Como tudo é impossível de mudar, delatar é preciso, assim mesmo, na lata. Estamos todos ilhados no pântano da condição humana com seus cincerros, e todos sangram e buscam desesperadamente alguma coisa que não sabem o que é. Quem cria, regurgita? Talvez o mundo já tenha acabado, e apenas os artistas, poetas, loucos e fabricantes de bonecas é que não foram avisados.
    É isso, cara-pálida: Somos Todos ‘Troios’. A minha parte quero em cerveja, controle remoto e uma máquina mágica de escrever pensaVENTOS. O romance vence por pontos, o conto vence por nocaute, disse Octávio Paz. E os curtos “surtos circuitos” de TROIOS? E o microconto, o twittercontinho; dedo de prosa no dedal das anomalias? Ah um meteorito minimalista ainda faz estragos. Há o pé no sacro, o repente-lucidez, a ficção-angústia, uma quimera narrativa do autor destrambelhado que põe pingos em is, dábios e reticências. O prisma saindo pelo buraco da fechadura/ferradura.
    Repentes cínicos, contos miniaturas, nanicos, do fantástico ao político, do poético ao memorial, do elaborado no jorro neural em refluxo recorrente, ao contundente do diálogo curto e grosso, do paradoxal ao escabroso, das falas rápidas pincelando situações irônicas ou até mesmo politicamente incorretas que sejam, sapecando fogo na canjica, tipo batatinhas viajando na maionese; no shoio paraexistencial, até no cervegetariano zenboêmico do autor feito um neobeatnik contemporâneo a botar a boca no trombone, em suas disparidades ímpares… TROIOS são, Troios hão, Troios vão, troios cão, troios chão, então: Perigritantes nanicas contações bem ao estilo da revista MAD: você não vai acreditar no que vai sentir quando acabar lendo.
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    O livro de microcontos e twittercontos do Cyber Poeta Confeccional Silas Correa Leite, também novo ebook do autor, está à venda impresso e no formato digital no site:
    http://www.clubedeautores.com.br/book/148073–TROIOS_PERIGRITANTES
    ou no link:
    http://www.agbook.com.br/book/148073–TROIOS_PERIGRITANTES
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    Antonio T. Gonçalves
    Jornalista, Mestrando em Educação Contemporânea

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