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VAMOS APOIAR AS MOBILIZAÇÕES CONTRA A CENSURA, DIANTE DO RECRUDESCIMENTO DA BOÇALIDADE

Em 1982, eu era secretário geral da UBE e participei da formação de um Comitê conta a censura, junto com dirigentes de associações, artistas e intelectuais. Lembro-me que também estavam João Batista de Andrade, Ester Goes, Ligia de Paula, Sergio Mamberti, Glauco Pinto de Morais, entre outros.

Em 1988, eu presidia a UBE. Fiz parte de outro comitê, com a incansável Graça Berman e outros artistas, que foi a Brasília levar as propostas referentes á Cultura para a Assembleia Constituinte. Todas incorporadas à Constituição. Inclusive ou principalmente o fim da censura.

QUE COISA…! Décadas depois, ter que começar tudo de novo … !!!

Isso, porque grupos suspeitíssimos têm atacado manifestações artísticas. Querem revogar a garantia constitucional da liberdade de expressão, restaurando a censura.

É preciso que os setores sadios da sociedade reajam.

Este domingo, dia 8 – quando teria sido o encerramento do “Queermuseum” em Porto Alegre, não fosse a covardia da instituição patrocinadora – haverá duas manifestações importantes em São Paulo. Comparecerei a ambas.

Uma delas, “Vamos todos ao MAM”, será no Parque Ibirapuera, a partir das 13 h. Desagravo em face das agressões ao museu e da tentativa – mal sucedida – de encerrar a exposição “Brasil em multiplicação”, por causa da performance “La bête”, de Wagner Schwartz. Mais, nesta notícia: https://www.revistaforum.com.br/2017/10/02/milhares-prometem-ficar-nus-em-ato-em-frente-ao-museu-de-arte-moderna-de-sp/ .

A outra é o Festival da Arte Degenerada, a partir das 15 horas, na Rua Ana Cintra e imediações. A esta, não só comparecerei, mas lerei algo. Transcrevo o informe preparado pelos organizadores:

Festival da Arte Degenerada sai às ruas contra censura de obras e faz convocação de artistas para grande ato no centro de SP

Manifestação acontece no dia 08 de outubro, data em que se encerraria a exposição Queermuseu, censurada em Porto Alegre. Artistas e coletivos estão convidados a realizarem intervenções.

Uma grande manifestaçãono centro de São Paulo mobiliza grupos e coletivos de arte para a realização do Festival da Arte Degenerada, no próximo dia 08 de outubro, data em que se encerraria a exposição Queermuseu. O evento contará com apresentações artísticas e uma caminhada para ocupar o Minhocão. O objetivo do grupo é “realizar um ato político e poético para escangalhar o centro de São Paulo e promover a união da classe artística e da população em geral contra o discurso reacionário”.

O evento terá início às 15h com um sarau aberto no Espaço Cultural Kazuá (Rua Ana Cintra,26), no centro da cidade. Em seguida, o grupo caminha até o Minhocão em “um grande cortejo degenerado repleto de música e performances”. A manifestação retorna para a sede da Kazuá para um encerramento com apresentações musicais, peças de teatro e exposição de obras.

Entre as apresentações confirmadas estão: o bloco carnavalesco Agora Vai, o coletivo Usina da Alegria Planetária, o grupo de intervenções urbanas Cia. Cachorra, o projeto Animália e os performers Malayka SN, Xerxes, Elmir Mateus, Heron Sena e Rafael Zorzella. O escritor e ensaísta Claudio Willer também marca presença realizando leituras de poemas de Roberto Piva, poeta morto em 2010.

O protesto acontece após os recentes casos de censura a obras de arte como o fechamento da exposição Queermuseu em Porto Alegre, a retirada do quadro “Pedofilia” de Alessandra Cunha do Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso e a proibição na Justiça da encenação da peça “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu” no SESC de Jundiaí.

Na última semana, uma nova tentativa de interdição artística atingiu os realizadores da performance “La Bête”, que está em cartaz no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo.Grupos de extrema-direita na internet passaram a divulgar um vídeo em que uma criança acompanhava a performance, que consiste na livre interação do público com o artista, completamente nu. Algumas pessoas chegaram a se reunir em frente ao museu no sábado, agredindo funcionários e tentando, sem sucesso,impedir a performance.

A ideia da manifestação surgiu a partir da mobilização da Editora Kazuá com os grupos Usina da Alegria Planetária, Cia. Cachorra e o bloco Agora Vai, que convocam todos os coletivos e grupos de teatro, música, dança, literatura, artes plásticas e visuais para se juntarem ao ato e montarem apresentações, performances e exposições durante todo o dia. Os interessados podem enviar uma mensagem para o email: comunicacao@editorakazua.com.br

A manifestação já possui evento no Facebook, onde será possível conferir os coletivos e artistas que irão se apresentar, assim que for montada a programação.O termo “arte degenerada” é uma referência à censura promovida pelo regime nazista às obras de arte consideradas subversivas na Alemanha.

Link para o evento no Facebook: https://goo.gl/pJkzLF

Vídeo-teaser: https://goo.gl/t6HRu6

Mais informações:

Evandro Rhoden(11 98020 – 9848)

Thiago Gabriel (11 95066-1900)

comunicacao@editorakazua.com.br

Um substancioso debate sobre Liberdade de Expressão

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No próximo dia 19 de março, quinta feira, às 14 h.
Local: Auditório do Centro Cultural do IEL na Unicamp (lembrando, o campus fica em BarãoGeraldo, imediações de Campinas)
Expositores, Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na UNICAMP, e eu, compondo mesa coordenada por Márcio Seligmann-Silva, professor de teoria Literária na mesma universidade. Evento organizado por Paulo Sérgio de Vasconcellos, que dirige o Centro Cultural do IEL.
Gostarei de participar. O que já li de Roberto Romano e Márcio Seligmann-Silva, apreciei.
Pretendo falar durante 38 minutos, inclusive recorrendo a alguma coisa já publicada sobre o tema neste blog, desde tentativas locais de reintroduzir censura até os terríveis acontecimentos recentes em escala mundial. Pretendo chegar a alguma reflexão sobre o sentido da História, sobre paradigmas para interpretá-la.
A propósito dessas espantosas recorrências de atrocidades, talvez mencione Hipácia de Alexandria em 400 d.C. (por alguns séculos, sob os Ptolomeus, Alexandria parecia uma utopia iluminista antecipada, com sua biblioteca e intensa produção cultural) e Giordano Bruno em 1600 (a historiadora Frances A. Yates observa que, naquele tempo, assistir a queimas de bruxas era passatempo familiar, em Paris havia umas 100 por ano). É como se tivessem trocado os lados do campo ou as camisas dos times? Com todo esse progresso evidente em outros campos, inclusive científico, tecnológico, econômico? (basta comparar expectativa de vida naqueles tempos e hoje)
Assunto não faltará. Venham. Divulguem.

Oprimidos e opressores, ainda a propósito do que aconteceu em Paris – uma suíte da postagem precedente

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1 Salman_Rushdie_2011_Shankbone
(ilustrações: estátua de Buda em Bamyan, Afeganistão, antes e depois da visita pelo Taleban, e o escritor Salman Rushdie)
Quer dizer que não pode mexer com eles porque são povo oprimido?
Mas quem oprime quem? Quem é o oprimido e opressor nessa história? Estado Islâmico entrou em cena, recentemente, promovendo um massacre em regra de yazids, minoria religiosa curda, uma espécie de gnósticos – crença pré-muçulmana de influência neoplatônica. A exemplo dos mandeus do Iraque, outra ramificação gnóstica, deveriam ser protegidos, e não perseguidos. Essas doutrinas milenares são memória viva, caminhos para o conhecimento de culturas arcaicas. Patrimônio simbólico vivo.
Ciclo atual de intolerância começa em fevereiro de 1989, com a fatwa determinando que o escritor indiano Salman Rushdie, autor de Versículos Satânicos, fosse executado por apostasia e blasfêmia. Até hoje, vive sob proteção. Teve um ponto alto com a destruição das estátuas de Buda de Bamyan pelo Taleban, em 2001: os colossais monumentos da arte Gandara no Afeganistão, milenares (construção começou em 540 d.C.).
Fanáticos sempre tentam destruir a cultura. Aniquilar a memória, o patrimônio simbólico, em primeiro lugar. Ataque ao Charlie Hebdô é típico. Da mesma família que o ataque às estátuas de Buda, a perseguição a Rushdie, a queima de templos com os fiéis dentro etc.
A situação a que chegamos teve a contribuição decisiva das trapalhadas geopolíticas das potências ocidentais, desde os acordos de Sykes-Picot de 1916, fatiando o Oriente Médio, e subseqüentes intervenções. Desde 1945, esses países foram vistos como meras peças no tabuleiro da Guerra Fria – pelos dirigentes dos dois lados. Mas os fundamentalismos não podem ser admitidos como resposta. Oprimidos, para mim, também são os integrantes do vasto contingente de muçulmanos que prefeririam levar a vida sossegados, assimilando-se ou preservando sua identidade, mas sem precisar viver sob o terror decorrente da interpretação da Charia adotada por fanáticos.
Isso, lembrando que a charge mais forte do Charlie Hebdô foi aquela retratando Jean-Marie Le Pen como um montículo de cocô. Outra, da Virgem Maria de pernas abertas, também é memorável. Houve quem não gostasse? Mas ninguém é obrigado a comprar e ler o hebdomadário.

Da Última Hora ao Charlie Hebdô; de N. S. Aparecida e Pelé a Maomé (e Jeová, e Jesus, e…)

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Recordam-se do escândalo de 1962? A charge do cartunista Octávio na Última Hora, mostrando N. S. Aparecida com a cara de Pelé? Enfureceu. Furgões do jornal foram incendiados, cardeais verberaram, o diretor do jornal Samuel Wainer desculpou-se.
EM TEMPO (POSTADO NO DIA SEGUINTE): Novaes Oc, filho do cartunista Otávio ou Octavio, postou informação relevante nos comentários para este post no Facebook. Duas imagens: a da charge, em cópia mais nítida, e o encontro de Samuel Wainer, Otávio e o então diretor da UH com o cardeal da época. Charge foi publicada em agosto de 1963 e não em 1962.
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O mundo não evolui linearmente. É um arquipélago de atrasos e progressos. Não obstante, há indicadores de avanço: aumento da expectativa de vida, maior acesso à informação, mais tolerância, pluralismo, as conquistas no plano da liberdade de expressão. A charge de Octávio, hoje, passaria em branco. Em 1980, nós a publicamos na revista Singular e Plural de Marcos Faerman, em um número sobre o humor e chargistas, e nada aconteceu, a TFP não veio bater à nossa porta.
Um erro dos que, mesmo repudiando o massacre, se manifestam por “mais respeito”: não reparam que no Charlie Hebdô tem sátira para todos – pode ser dirigida a Maomé, assim como a Jeová e rabinos, Jesus Cristo e o papa, quem for. Esta seleção de capas é expressiva:
http://www.eldiario.es/internacional/portadas-Charlie-Hebdo-criticas-religion_0_343315929.html
Se fosse para “respeitar”, não sairia nada . Sátira circular desse jeito é, objetivamente, avanço. Incorpora o legado iluminista, assim como aquele da contracultura e das rebeliões de 1968. Deixar de publicar algo por “respeito” equivale ao progresso curvar-se ao atraso; o moderno ceder para o retrógrado.
Em vez de apenas estampar o que foi visto na TV ou internet, jornais já trazem artigos interpretando e tratando das conseqüências. Sergio Augusto, em O Estado de S. Paulo, lembra a bomba no Pasquim que não explodiu por milagre:
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ninguem-quis-ser-o-pasquim-imp-,1617964
Este é pessimista: “Por que os terroristas estão saindo como vencedores”.
http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,por-que-os-terroristas-estao-saindo-como-vencedores-imp-,1617880
Concordo com a análise. Se não houvesse Charlie Hebdô, achavam outro alvo. Estratégia é forçar confronto, impossibilitar assimilação para ampliar o poder.
Relatos do episódio de 1962:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_brasil_de_nossa_senhora_e_pele
http://www.gazetadopovo.com.br/m/conteudo.phtml?id=1300130&tit=Quando-o-traco-vira-estopim

Rejeitada a censura a Monteiro Lobato: uma vitória da literatura

Lembram-se da polêmica de 2012, sobre racismo na obra de Monteiro Lobato? A propósito de Caçadas de Pedrinho. Tratei dela aqui, em meu blog. Reclamei da judicialização, da transferência de questões literárias e pedagógicas para a esfera jurídica, querendo que magistrados exercessem funções de educadores e críticos literários.
Pois bem: ministro Luiz Fux, do Supremo, acaba de rejeitar a ação, acatando parecer do Procurador Geral. Aqui, a boa notícia:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/12/1566213-stf-rejeita-inclusao-de-nota-em-livro-de-monteiro-lobato.shtml
Meus comentários a respeito haviam resultado em centenas de acessos e dezenas de comentários. Vejam:

Monteiro Lobato, censura e analfabetismo funcional

Ainda Monteiro Lobato


Havia, também, as retiradas de obras de Dalton Trevisan e a espantosa ação contra palavras em dicionários. Na mesma época, a orientação daquela secretaria social para que o Ministério da Cultura não subvencionasse obras relacionadas á pornografia, drogas, tráfico etc.
Que o desfecho desse caso contribua para jogar a pá de cal ou assentar a pedra tumular sobre as imposições ditatoriais do politicamente correto, tentando restringir a ci9rculação de informações e a liberdade de expressão.

Censura através de gráficas, atingindo Moebius e Jodorowky

Podia apenas ter postado no Facebook o link com a matéria denunciando. De Jotabê Medeiros, no Caderno 2 do Estadão de hoje, 21/12 . No entanto, neste blog ganha maior alcance, chega a mais gente, e permite agregar informações adicionais.
É um novo estágio da censura: a gráfica que se recusa a imprimir uma obra, por achá-la “pornográfica”. No caso, Garras de Anjo, com desenhos de Moebius (Jean Giraud) sobre um texto de Alejandro Jodorowsky. Artistas importantíssimos, mundialmente reconhecidos.
A matéria:
http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,quadrinhos-eroticos-vivem-uma-especie-de-redescobrimento,1610281
Sobre Moebius / Jean Giraud, entre outras páginas, selecionei estas:
http://www.moebius.fr/Accueil-actuaites-moebius
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Giraud
https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#q=Moebius+images
Sobre Jodorowkiy, que já teve peças encenadas, filmes exibidos e obras expostas no Brasil (verbete da Wikipédia está incompleto):
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alejandro_Jodorowsky
Como bem observa Jotabê, qual seria a reação do gráfico obscurantista diante de algo como a adaptação de História de O, obra atribuída a Pauline Réage, por Guido Crepax? (aqui publicada pela L&PM, assim como outras obras de Crepax)
Será uma extensão da recente celeuma a propósito do Manual de boas maneiras para meninas, de Pierre Louÿs? Esta:

Obscurantismo, histeria e principalmente analfabetismo funcional


Poderia ser tomada como manifestação individual, nesse caso mais recente da gráfica, ou de uma periferia lunática, como no caso das manifestações contra Pierre Louÿs. No entanto, tem uma dimensão institucional. Censura já chegou a ser praticada, recentemente, como política de governo, como havia denunciado aqui:

Caso gravíssimo: censura em edital da FUNARTE e Biblioteca Nacional

O caso do Padre Wilson de Adamantina e o Facebook

EM TEMPO: adiciono ao post a manifestação dos fiéis de Adamantina. BEM FEITO!
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/12/08/em-sp-populacao-ve-racismo-contra-padre-e-protesta-bispo-deixa-igreja-escoltado.htm
Estranhíssimo
Amigo meu, Carlos Figueiredo, mandou-me petição em favor do Padre Wilson. Conforme o noticiário, está para ser transferido de Adamantina, SP, para a cidade vizinha de Dracena. Motivo: reclamações de freqüentadores da igreja, por ele ser negro. Nada mais nem menos. Em pleno 2014. Conforme noticiado aqui:
http://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2014/12/com-nova-igreja-definida-padre-vitima-de-racismo-so-espera-ser-acolhido.html
Reproduzi o link da petição no Facebook. Simplesmente, o Facebook recusou-se a publicar, sob alegação de que o link é inseguro. Este link: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR77736
Da mesma família e da mesma origem de inumeráveis outros links de petições que já retransmiti.
O que estará havendo? Algum bloqueio sectário? Tudo bem – então segue através deste blog, de maior alcance que minha página de Facebook. Retransmitam.
Não me envolvo em assuntos católicos, a não ser para observar bobagens ditas por prelados e pelo papa anterior, e para volta e meia publicar a Carta ao Papa de Artaud. Mas não dá para deixar passar, não só o racismo, mas a inesperada trava da rede social.
EM TEMPO:
Para termos certeza de que não é ‘hoax’, além da notícia do Globo.com, esta, de um jornal, que por sua vez reproduz Folhapress:
http://www.otempo.com.br/capa/brasil/sa%C3%ADda-de-padre-v%C3%ADtima-de-ofensas-racistas-divide-cidade-no-interior-1.957686
O iluminado prelado que resolveu transferir o padre é o bispo da Diocese de Marília, dom Luiz Antonio Cipolini.
Inevitáveis mais alguns comentários:
Adamantina + Diocese de Marília em 2014 = Alabama nos anos de 1950
Em 1973, precisei de datilógrafa, atendente da empresa de mão de obra temporária perguntou se tinha problema a funcionária ser “de cor”. Na época, anúncios de oferta de emprego especificavam: “de boa aparência”, subentendendo ser branca, ou, se fosse afrodescendente, que estava fora. Em prédios residenciais, era comum visitantes negros serem automaticamente encaminhados ao elevador de serviço.
Programação de cinema para Adamantina + Diocese de Marília: ‘Django livre’ de Tarantino. ‘Mississipi em chamas’ de Alan Parker
Programação de shows para Adamantina + Diocese de Marília: Gil, Preta Gil, Jorge Benjor, Olodum, Mart´nália?
Programação literária: vou lá e dou palestra sobre Cruz e Souza ou sobre Aimé Cesaire e outros poetas da negritude.
Lembram de dom Geraldo Proença Sigaud? Bispo de Campos, RJ, líder da TFP, Tradição, Família e Propriedade, reacionário da pesada. Esse dom Cipolini, terá sido discípulo dele?
Alguém teria como informar ao papa Francisco? Fulminaria. Imaginem, racismo em Adamantina enquanto o líder prega tolerância no Oriente Médio. Serve também comissão de direitos humanos, órgãos do governo que tratam disso, aquela secretaria, clero progressista, Ministério Público e até delegacia local – afinal, racismo é crime, nem beatos nem autoridades religiosas estão acima da lei. Se vale para torcedor de clube de futebol, então tem que valer do mesmo jeito para devoto de igreja.
PARA COMPLETAR (postado no dia seguinte, 09/12): a boa matéria em O Estado de S. Paulo: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,bispo-e-acuado-em-igreja-e-so-sai-escoltado-no-interior-de-sp,1603885

Uma seleta de passagens edificantes e instrutivas do “Manual de boas maneiras para meninas” de Pierre Louÿs

Pierre Louÿs downloadDa Azougue editorial, 2006, coleção Devassa, tradução de Bernardo Esteves, Tiago Esteves e Paulo Wernek. No original francês, “Manuel de civilité pour les petites filles à l’usage des maisons d’éducation”, publicado em 1926. A data deve ser levada em conta: um livro anacrônico, pois hoje a educação das mocinhas é menos rígida, não são obrigadas a ir semanalmente à missa e a comungar, nem a rezar ao espertar e na hora de dormir, tampouco a comparecer a fastidiosos jantares em família; ademais, há menos tabus relativos a sexo e erotismo. Não obstante, a obra é relembrada e ultimamente vem suscitando manifestações iradas. Como já observei no Facebook, toda vez que vêm à tona denúncias de estupros, algumas pessoas acham que a culpa é de Pierre Louÿs.
O manual é dividido em capítulos: ‘No teatro’, ‘No baile’, ‘No confessionário’ etc, culminando com “Na cama com uma amiga”e “Na cama com um velho”. Já levei a rodas de leitura e cursos, para tratar de sátira. Examinei as negações afirmativas, os “Nunca faça” e a série final do “Nunca diga”.
Após reproduzir trechos, informo sobre Pierre Louÿs e comento as broncas recentes. Seguem alguns dos espirituosos conselhos às menininhas:
“Não fique na varanda cuspindo sobre os passantes, sobretudo se estiver com porra na boca.
Não mije no degrau mais alto da escada para fazer cascata.
Se lhe perguntarem o que você bebe nas refeições, não diga que só bebe porra.
Não faça ir e vir um aspargo em sua boca olhando languidamente o jovem que você pretende seduzir.
Não faça cocô na musse de chocolate, ainda que, por estar proibida de tomar sobremesa, você esteja certa de que não vai comê-la.
Se bater uma punheta para seu vizinho com o guardanapo dele, seja discreta para que ninguém perceba.
Se encontrar um cabelo suspeito em sua sopa, não diga: “Oba, um pentelho do cu!”
Colocar mel entre as pernas para que um cãozinho venha lambê-la é permitido a rigor, mas é inútil retribuir-lhe o serviço.
Meninas bem educadas não mijam no piano.
Caso tenha se masturbado no elevador, coloque suas luvas de volta antes de entrar.
Se uma mulher se recusar a se sentar, não lhe dê conselhos sobre o perigo de ser enrabada por um estabanado.
Ao despertar, uma menina deve terminar totalmente de se masturbar antes de começar a rezar.
Se você não se masturbou o bastante de manhã, não termine na missa.
Se chupar um homem antes de ir comungar, controle-se para não engolir a porra: você não estaria mais em jejum como deveria estar.
Se você transar à tarde em uma igreja do interior, não lave sua bunda na água benta. Longe de purificar o pecado, você estaria agravando sua falta.
Não se masturbe no confessionário para ser absolvida logo em seguida.
Não entre nos mictórios para ver os homens mijando.
Se um velho sátiro lhe mostrar seu membro numa curva de uma aléia, nada a obriga a lhe mostrar sua xoxotinha por educação.
Não entre em um salão de cabeleireiros pedindo descaradamente para escovar os pêlos do cu.
Não ponha a mão na calça do seu vizinho para ver se o balé o deixa de pau duro.
Ao nadar, não peça às pessoas presentes permissão para fazer xixi. Faça sem autorização.
Não mande anunciar pelo vilarejo que você perdeu o cabaço. O homem que o encontrou não o devolverá.
Quando seu pai se apresentar no círculo social que freqüenta, não diga: “Olha o corno aí!”; se disser, faça-o baixinho.
Se você sentar na coxa esquerda do seu pai, não esfregue a bunda na pica dele para deixá-lo de pau duro, a menos que vocês estejam a sós.
Se você estiver se masturbando quando seu pai entra no quarto, pare: é mais conveniente.
Não chame sua mãe de vaca velha, piranha de beira de estrada, chupadora de puta, cagadora de porra, pústula ambulante etc. Essas são expressões vulgares.
Se sua mãe perguntar o que você prefere beijar, não responda: “O cu da empregada”.
Masturbe seu irmão na cama dele, nunca na sua. Isso a comprometeria.
Quando sua irmã estiver mijando, não retire o penico para que ela faça no chão. Seria uma brincadeira de mau gosto.
Não faça troça da sua irmã se ela não quiser dar a bunda. Uma menina é inteiramente livre para oferecer apenas um buraco a seus amantes.
Todas as noites, antes de se masturbar, faça a sua oração ajoelhada.
Algumas meninas muito vigiadas compram uma santinha em marfim polido e usam-na como consolo. É um uso condenado pela Igreja.
Se você descobrir que é filha do amante e não do marido, não chame esse homem de papai na frente de vinte e cinco pessoas.
Quando tiver acabado de chupar alguém, não vá à cozinha cuspir a porra em uma panela. Os criados fariam mau juízo de você.
Nunca diga: “Minha boceta”. Diga: “Meu coração”.
Nunca diga: “Quero trepar”. Diga: “Estou nervosa”
Nunca diga: “O pau dele é muito grande para minha boca”. Diga: “Sinto-me pequena quando converso com ele.”
ETC
PIERRE LOUŸS (1870 – 1925), belga, se tornou mais conhecido por “As canções de Bilitis”, musicadas por Claude Debussy. Críticos caíram na pseudo-epigrafia e acreditaram que existisse uma poeta grega chamada Bilitis, contemporânea de Safo de Lesbos. E por “La femme et le pantin” (A mulher e o fantoche), drama filmado por Joseph von Sertenberg, estrelado por Marlene Dietrich em 1935. Escreveu uma quantidade de narrativas históricas. “Afrodite”, sobre prostituição sagrada em Alexandria, tem edição brasileira. Há outra edição, rara, de “Três filhas da mãe”, obra transgressiva, perto da qual o “Manual” é recatado. Já integrei banca de uma boa tese de doutorado, “Cortesãs de Pierre Louÿs” de Paula Gomes Macario, UNICAMP, dezembro de 2012.
Sobre as reações recentes, já me havia manifestado:

Obscurantismo, histeria e principalmente analfabetismo funcional


Parece que o fundamento das reclamações é o patrocínio dessa e outras edições, em 2006, pela cervejaria Devassa. O capitalismo corruptor. Até a década de 1980, censores achavam que era o comunismo, para dissolver a família. Este artigo sobre representações da mulher na propaganda, não como lasciva, mas como dedicada servidora doméstica, que me foi encaminhado por Sergio Cohn da Azougue, é muito bom: http://fuersie.tumblr.com/
A categoria “sexismo” é coisa de gente que anseia pelo retorno da moral vitoriana. A leitura literal de sátiras é sintoma de semianalfabetismo. Infelizmente, há ativistas empenhadas em confundir feminismo, responsável pelo fim da subordinação da mulher ao homem em sociedades modernas, com obscurantismo. Chegou a ser aberto um procedimento no Ministério Público, por causa da celeuma – felizmente não deu em nada.
A praga do politicamente correto: pois já não houve um edital da Funarte e Biblioteca Nacional, em 2012, oficializando censura? Denunciei: https://claudiowiller.wordpress.com/2012/09/17/caso-gravissimo-censura-em-edital-da-funarte-e-biblioteca-nacional/
Se deixarem, proibirão não apenas títulos de Pierre Louÿs, mas Lolita de Nabokov, a obra obscena de Hilda Hilst, todo William Burroughs, Henry Miller etc, além, é claro, do Marquês de Sade. Reverterão conquistas que consumiram tempo, e também dinheiro: as batalhas judiciais da Grove Press de Barney Rosset na década de 1960 enfraqueceram a editora e contribuíram para seu fim, conforme relatado em “A hora terna do crepúsculo” (Globo, 2013) de Richard Seaver, um dos editores. Enfim, não faltam motivos para não admitirmos retrocessos.

Obscurantismo, histeria e principalmente analfabetismo funcional

Transcrevo informe de Sergio Cohn, da editora Azougue, sobre ataque a obra de Pierre Louÿs publicada por ele. Em seguida, meus comentários:

Em 2006, a Azougue Editorial publicou o livro “Manual de boas maneiras para meninas”, de Pierre Louÿs. O livro, escrito pelo importante escritor e poeta belga, é uma paródia dos manuais de comportamento da época, e se tornou um dos grandes clássicos da literatura libertina mundial. A edição do livro não é a primeira no Brasil, mas foi realizada com apuro e prazer. Agora, o livro e a editora, assim como a empresa que foi parceira do empreendimento (e que foi posteriormente vendida para uma empresa internacional, não tendo mais nada a ver com a história) estão sofrendo forte ataque na rede por conta de um trecho do livro, destacado de forma absolutamente parcial. Sendo o livro uma paródia, que buscava lutar contra as convenções sociais da época, é preciso a contextualização o conteúdo completo da obra e do seu significado, algo que é constante na edição, para o entendimento real deste trecho. Coisa que não foi feita pelos acusadores. O ataque contra a imagem da editora é grave, e a tentativa de censura a um livro de reconhecida importância para a literatura nos lembra períodos sombrios da nossa história. O que está por trás deste ataque não sabemos, mas é preciso estar atento. A Azougue Editorial repudia qualquer forma de censura, assim como reafirma o seu respeito às causas não apenas das mulheres, mas de igualdade de direitos entre os gêneros e liberdade comportamental.

O ataque, caudaloso, com bastante gente endossando, uma sucessão de disparates nos comentários, é este:

https://twitter.com/ThinkOlga/status/450619340157906944

Minhas observações:

  1. Justamente na efeméride, nos 50 anos do 31 de março, não precisavam provocar sensações de volta no tempo, de retorno do que, felizmente, deixamos para trás.
  2. É analfabetismo funcional por não se darem conta de que é sátira ao moralismo. Ou, sendo moralistas do tipo obscurantista, por sentiram-se atingidos.
  3. Ataque agora, em 2014, a um livro publicado no Brasil e patrocinado em 2006? Que saiu na França em 1917? Tardígrados.
  4. Logo pedirão novamente a censura de Henry Miller. De James Joyce. De D. H. Lawrence. De William Burroughs. De Sade. Das obras libertinas de Apollinaire. De… E reativarão, é claro, o escândalo de 1990 em torno de Hilda Hilst e de ‘O caderno rosa de Lori Lamby’.
  5. Essa gente é absolutamente inculta. Dê para lerem as cartas de Joyce a Nora Barnacle, para verem o que é bom.
  6. De Hilda, está em cartaz adaptação de ‘A obscena senhora D”. Mandar ingressos promocionais. Aí sossegam.
  7. Brindá-los com ‘A história de O’, atribuído a Pauline Réage (participação de Jean Paulham até hoje não está esclarecida, Alexandrian acha que foi ele). Melhor: na versão em quadrinhos por Guido Crepax. Tenho, empresto se precisarem.
  8. Sergio Cohn: publique mais Pierre Louÿs,. ‘Afrodite’. Principalmente, ‘Três filhas da mãe’ – aí se acalmam com relação ao “Manual de boas maneiras para meninas”. Faça edição do ‘Manual’ barata, com ampla distribuição. Que o escândalo divulgue um autor de qualidade.
  9. Descobrir onde se reúnem. Despejar sobre eles, de helicóptero, as reedições de Carlos Zéfiro. Enfim, há uma substanciosa biblioteca à espera deles, para instruir e edificar.
  10. Ah, quer dizer que a bronca é pela marca de cerveja Devassa estar patrocinando? Enxergam a mão maligna do capitalismo, empenhada em perverter os costumes? Durante o regime militar, censores achavam que era o “Movimento comunista internacional’, com o propósito subversivo de dissolver a família (li dossiês com relatórios deles, escrevi a respeito). Mudou o inimigo objetivo – a idiotice prossegue a mesma. Quanto a cervejas, substituirei Original, Itaipava e Cerpa, as menos ruins das brasileiras, pela Devassa. Aguardem fotos minhas no Facebook de garoto propaganda – segurando o livro e tomando a cerveja.
  11. Dá para evitar mais observações sobre a vida sexual mal resolvida dessa gente? Contenho-me.
  12. Falando sério – se bem que estou sendo sério o tempo todo e o episódio é grave: ver “apologia do estupro” em “Manual de boas maneiras para meninas” de Pierre Louÿs mostra que há pessoas sentindo-se ameaçadas pelo livro. Ilustra mais uma dessas confusões entre a esfera simbólica e aquela do real. Esse prefeito de Coari, Amazonas, que finalmente, anos depois, foi preso por encabeçar uma rede de prostituição infanto-juvenil – ele, seus inúmeros comparsas, seus incontáveis equivalentes – vocês acham que algum deles já leu Pierre Louÿs? Nem sabem quem é. Vocês acham que algum estuprador de verdade leu Sade? Enfim, e como sempre, os moralistas, os preconceituosos, retrógrados e histéricos jamais chegam perto de qualquer problema real. Só enchem a paciência.

Jack Kerouac, o biografado

Ao final de O livro de Jack, recém-publicado em edição brasileira (Globo – Biblioteca Azul), a bibliografia, a relação dos títulos que constituem sua extensa obra. São vinte e seis. Há mais, a lista está incompleta. Contudo, a quantidade de biografias e ensaios biográficos sobre o porta-voz beat é ainda maior. Só aqui, em minha estante, tenho sete.

É compreensível – não só pelo impacto de On the Road e outras de suas narrativas, mas por serem autobiográficas. Ou melhor, serem e não serem – há omissões, histórias contadas pela metade, alguma ficcionalização. Daí despertar tamanho interesse, desde o trabalho pioneiro, e que continua valendo, de Ann Charters, trazendo à luz o que houve entre Jack, Neal e Carolyn Cassady, Luanne Henderson– o “quadrângulo amoroso”, como é dito em O livro de Jack – ou pentágono, adicionando Allen Ginsberg, ou alguma figura geométrica ainda mais complexa. A mais completa dessas biografias continua sendo Memory Babe de Gerard Nicosia. Recentemente foi lançada no Brasil Jack Kerouac – King of the Beats de Barry Miles (pela José Olympio) – é um especialista, também biografou Ginsberg e Burroughs.

Daí, no prefácio mais recente de O livro de Jack, de 1912, Barry Gifford comentar biografias:

“Em carta para Arnold Zweig, datada de 30 de maio de 1936, Sigmund Freud escreve: “Para ser biógrafo, você precisa ocupar-se de mentiras, acobertamentos, hipocrisias, falsidades e mesmo apagar sua falta de compreensão, pois a verdade biográfica é impossível e, se a ela chegássemos, não poderíamos utilizá-la… A verdade não é possível, a humanidade não a merece…” […] Foi Allen Ginsberg, amigo de longa data de Jack, que disse, tendo terminado de ler as provas ainda não revisadas do volume: “Meu Deus, é como o Rashomon – todo mundo mente, e a verdade vem à tona!” […] Kerouac não tinha atributos divinos, nem O livro de Jack foi pensado para ser a hagiografia de um ser inatingível. […] A despeito do dr. Freud, há, sim, uma espécie de verdade a ser encontrada aqui.”

Se fosse no Brasil, ou, pior, se o mundo seguisse o Brasil, e se a família Sampas (sucessores de Kerouac) perfilasse no ‘Procure saber’, obviamente O livro de Jack e boa parte do restante da bibliografia kerouaquiana jamais teria chegado aos leitores. Autores como Barry Miles e tantos outros amargariam o ineditismo ou teriam que escrever sobre outra coisa. A pergunta sobre a verdade, suscitada pelo confronto de opiniões de Freud e Ginsberg, permaneceria eternamente sem resposta – ou sequer haveria como formulá-la.