Archive for the ‘Artigos, Opniões e Provocações’ Category

Dez anos sem Roberto Piva: 25 de setembro de 1937 – 3 de julho de 2010

willer

A foto é de uma palestra sobre Paranoia de Piva no MIS em 2016, examinando a relação entre os poemas e as imagens por Wesley Duke Lee. Outra palestra dessas, sobre o mesmo tema, na Tapera Taperá, está preservada, com vídeo disponível. Havia um convite para dar curso sobre Piva agora, neste meio de ano, que infelizmente rodou, por causa da pandemia.

A relação de dissertações e teses sobre Piva que organizamos para a Biblioteca Roberto Piva: https://bibliotecarobertopiva.wordpress.com/dissertacoes-e-teses/ . É um dos indícios – o principal, evidentemente, são os leitores – de como, à margem por décadas, agora é o poeta mais influente de sua geração.

Além dos três volumes da Obra Reunida pela Globo Livros, e da reedição de Paranoia pelo Instituto Moreira Salles, o leitor encontrará a coletânea de entrevistas Encontros – Roberto Piva pela Azougue e os inéditos de Antropofagias e outros escritos pela Córrego.  Aguarda-se a publicação de Corações de Hot-dog, do qual já publiquei algo neste blog.

Três ensaios em Academia.edu:

https://www.academia.edu/20566138/ROBERTO_PIVA_E_A_POESIA

https://www.academia.edu/20798539/ROBERTO_PIVA_E_O_SURREALISMO

https://www.academia.edu/21072084/ROBERTO_PIVA_POETA_DO_CORPO

Voltarei ao assunto – deu vontade de publicar mais. Quanto ao curso, fazer, usando os recursos de webcam. Na palestra de segunda feira passada sobre Alfred Jarry, tudo funcionou bem. Retomar.

 

 

,

 

 

 

 

 

A Cinemateca Brasileira: como reagir à destruição das nossas políticas culturais públicas

fachada-da-cinemateca-brasileira-em-sao-paulo-1520462113351_v2_900x506

A Cinemateca Brasileira foi agregada ao então Ministério da Educação e Cultura, MEC, em 1977. Era então presidida pela escritora Lygia Fagundes Telles. Seu companheiro, o crítico e estudioso de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, acabara de falecer: o fundador e dirigente da Cinemateca  junto com outro personagem extraordinário, Francisco Luiz de Almeida Salles. Do trabalho desenvolvido desde então, destaco a digitalização de obras cinematográficas.

Em 1977… Durante o regime militar, no governo Geisel… Lygia tratou da salvação da Cinemateca com a então titular da pasta, Esther de Figueiredo Ferraz, ex-reitora do Mackenzie (expulsou dois amigos meus do último ano de Arquitetura em 1989, com base na infame Lei 477).

O informe ilustra a dupla face do regime militar. De um lado, implacável censura. Por exemplo – entre milhares de exemplos – qualquer coisa de Plínio Marcos era proibida, e Chico Buarque foi obrigado a adotar um pseudônimo. De outro, criação e ampliação de órgãos culturais públicos; alguns, como o IPHAN e INL, que vinham desde o governo de Getúlio Vargas, na gestão de Gustavo Capanema.

O governo Bolsonaro  vai além do regime militar que vigorou de 1964 a 1985. Censurar não pode, pois a Constituição impede: limita-se a alimentar seus veículos de propaganda de um fascismo rasteiro. Mas está liquidando as políticas culturais públicas existentes. Desencadeia sua “guerra cultural” – conforme proposta por seus ideólogos – através de uma estratégia de terra arrasada. Um dos exemplos, esta supressão de recursos para a Cinemateca.

A Constituição estabelece algumas obrigações do governo com relação à cultura. Fiz parte, inclusive, do grupo de representantes de entidades culturais que apresentou propostas aprovadas e incorporadas à Carta Magna.

Não sou advogado, mas tenho alguma experiência em  políticas culturais e sua legislação. Acho que, além das manifestações de protesto, é possível – necessário, talvez? – entrar com medidas judiciais para frear essa destruição. Isso vale para o caso da Cinemateca, para as enormidades de Sergio Camargo na Fundação Palmares e outras barbaridades – inclusive aquelas contra os “indígenas” abominados pelo atual (ainda) titular da Educação. Transcrevo, da nossa Constituição. Parece-me claro, evidente:

Título VIII
Da Ordem Social

Capítulo III
Da Educação, da Cultura e do Desporto

Seção II
Da Cultura

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

    § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

    § 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

    § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

        I –  defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

        II –  produção, promoção e difusão de bens culturais;

        III –  formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;

        IV –  democratização do acesso aos bens de cultura;

        V –  valorização da diversidade étnica e regional.

Duas mulheres, dois homens, uma pandemia

4covid

No quadro:

Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia. País vem obtendo especial sucesso na contenção do Coronavírus, graças a providências imediatas, com medidas de isolamento social, testes e colaboração da população.

Angela Merkel, atual “chanceler” (equivalente a primeira-ministra) da Alemanha: o país europeu com os melhores resultados na contenção da pandemia, o primeiro a abrandar medidas de isolamento e a retomar atividades econômicas.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Neste momento, o país mais afetado pela pandemia, com um crescimento vertiginoso de vítimas. Trump minimizou a pandemia no início e recentemente manifestou-se na TV recomendando injetar desinfetantes.

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil. Pandemia se alastra, há subnotificação de casos e vítimas, caos no atendimento médico e em cemitérios. Inicialmente classificou como “gripezinha”, apareceu na TV com caixinha de hidroxicloroquina recomendando esse remédio, participou de manifestações, é contra isolamento, declarou que não vê problema em pessoas morrerem desde que a economia ande, etc.

Ideólogos tresloucados – que ainda exercen poder no Brasil – dirão que Angela Merkel é “comunista” por ser “globalista”, além de “ambientalista” e “solidarista”, entre outros horrores (para eles). Ignoram que é da democracia cristã, conservadora. Os que identificam “globalismo” e “comunismo” não sabem que União Européia foi implementada, originariamente, como estratégia para conter o avanço soviético.

 

JURO QUE SONHEI ESTE SONHO

maconha-3

Há pouco. Cochilei. Estava em uma periferia residencial de cidade de interior. No quintal ou jardim dos fundos de uma casa, um grupo de pessoas. Julguei discernir Abraham Weintraub. Segui em frente, aqueles deslocamentos rápidos ou instantâneos dos sonhos, e agora o lugar era um campus de universidade. Algo entre o campus e um descampado. Iria acontecer um recital de poesia. Pessoas chegavam. Eu, sentado junto a um muro ou cerca. Um rapaz, barba rala e aloirada, cabelos e olhos também claros, vestindo uma jaqueta de lã azul, usando um gorro também de lã, perguntava-me sobre maconha – queria, estava procurando: “Sabe onde é que posso achar?”. Disse-lhe: “Olha, logo ali, nos fundos de uma casa, eu vi o Abraham Weintraub. Pergunta pra ele. É quem mais conhece e pode dizer onde é que tem. Vai lá.” Antes de acordar – achando graça do sonho – o rapaz ainda me olhou com uma expressão meio de ceticismo ou espanto.

Agora, falando sério, sonhos à parte: como é que pode…? Plantação….?! Passei boa parte da minha vida na Cidade Universitária, o campus da USP. Alguém chapado passar por mim, pode ser – menos, bem menos que nessas quebradas do centro da cidade. Em meus cursos e palestras – e alguns dos meus temas atraem, convenhamos, Beat e contracultura, etc – jamais reparei. Nem nos arredores de mata exuberante da FFLCH. Dizem que havia algo nos fundos da ECA-USP, mas isso foi décadas atrás. Outros campus – tantos – a indigitada Federal de Brasilia, UNIFESP, Federal de Pernambuco, de Goiás, de São Carlos, algumas UNESP, a Unicamp, a UFRJ, etc, nunca reparei. O público maior da minha palestra sobre  “A criação poética e algumas drogas” em 2014, brinquei com o organizador, Fábio Ferreira de Almeida: “Acho que atraímos todos os junkys  de Goiânia” – mas, novamente, ninguém que parecesse alterado por ter tomado ou fumado algo.

Polícia só entra nas universidades com autorização ou mandado. O tipo quer acabar com a autonomia universitária e inventou essa história estapafúrdia. Mas é tão fácil conferir. Qualquer um pode ir a campus universitários, entrada não é controlada – e ficar circulando, para ver se acha algo, alguma “plantação”, até um mísero pé. Perderia tempo – exceto em centros de pesquisa. Quem quiser, compra facilmente, “drogas” são vendidas nas metrópoles em sistema quase de feira livre – motivo para não ter qualquer função plantarem, exceto, é claro, nos laboratórios de pesquisa.

 

Brasil e os universos paralelos

MV5BMDhkNDEyMjgtYWE3OC00YzRlLWFkZmMtYmFmYmFlYzA2MGI0XkEyXkFqcGdeQXVyMTc4MzI2NQ@@__V1_UY317_CR51,0,214,317_AL_

Esta minha postagem no Facebook teve suficiente aprovação para que eu achasse que valeria a pena reproduzi-la neste blog. Escolhi Alfred Jarry, autor de Ubu Rei e criador da Patafísica como ilustração por razões que o texto esclarece:

Hoje, estressado e me sentindo mal. Além de outros motivos mais sólidos – preciso me mudar e ainda não sei para onde -, deve ter sido por assistir a trechos da entrevista da Damaris Alves na TV ontem à noite. Achei que poderia valer como programa humorístico, mas não, volta à década de 1940 me fez mal. Acho que tive professora assim no 2º Primário. Outra coisa que me incomoda é como é que pode essas geopolíticas de doido, esse destampatório de absurdos e desinformação. União Européia foi criada para fazer frente ao bloco soviético, para competir com o comunismo, globalizando a economia de mercado, e por isso sempre foi atacada pelas esquerdas. A expressão “welfare society” sociedade de bem-estar, foi lançada na década de 1960 por Lyndon Johnson. O contrário do que esses tipos afirmam. Trump é tido por eles como enviado celestial – mas seu índice de aprovação sempre foi menor que a desaprovação e agora enfrentará dificuldades ainda maiores, com a perda – considerável – da maioria parlamentar. Hungria e Polônia terem governos hiper-nacionalistas e autoritários faz sentido, se explica pela história desses povos – dominados, parte de impérios por séculos. Polônia foi anexada pelo Império Russo de 1806 a 1917. Alfred Jarry denominou Ubu Rei inicialmente de “Os poloneses”, escolhendo como cenário um país que não existia. Hungria fazia parte do Império Austro-Húngaro, até 1918. Finalmente independente, teve um ditador da pesada, Horty, para ser ocupada pelos nazistas e em seguida pelos soviéticos, até 1990 – apesar de revoltas populares fortes como a de 1958. Tem lógica não quererem ver estrangeiros pela frente, especialmente imigrantes e refugiados. Algo completamente diferente do que houve no Brasil, convenhamos.Essa gente está discursando sobre um planeta paralelo, no qual muitos acreditam

Falando sobre surrealismo

Corpos Nômades 01 10 18

Ontem à noite – segunda feira, 01/10 – fotografado por João Andreazzi nos Corpos Nômades. Meu tema, origens do surrealismo. Ao fundo, o “douanier” (aduaneiro) Rousseau. Conforme Roger Shattuck em The Banquet Years (é o texto que está na minha mão, na edição francesa, Les Primitifs d’Avant-Garde) Rousseau nunca foi aduaneiro, trabalhou como guarda da alfândega, “gabelou”, passando em seguida a viver de tocar violino nas ruas para recolher uns trocados e da venda de seus quadros a preços irrisórios (ninguém o levava a sério, até ser descoberto por Alfred Jarry e divulgado por Apollinaire). Examinei também  “Art Brut” e artistas loucos – Adolf Wölfly, que não conheciam, impressionou.

Na próxima sessão, tratarei de surrealismo e antropologia (e mitos, evidentemente). Meu ponto de partida,  esta observação de Jacqueline Chénieux-Gendron em “Il y aura une fois”: “Uma das formas de surrealismo é a etnografia”.  Falarei sobre mitos. E sobre surrealismo e conhecimento. Pierre Mabille estará presente. VENHAM.

Mais no post precedente neste blog.

 

A matéria na revista Literatura e alguns tópicos relacionados

1 Revista Literatura julho 2018_n

Fiquei muito satisfeito com as páginas dedicadas a mim, entrevistado pelo poeta Luis Perdiz, nessa revista, Conhecimento Prático Literatura. A publicação toda é de qualidade. Crônicas, resenhas, artigos sobre tradução, erotismo, Camus, clássicos, leitura. É animadora a existência de mais uma revista literária, com distribuição ampla, vendida em bancas. Precisamos. Que estimule e forme leitores.

Perdiz finaliza sua matéria com uma pergunta, que transcrevo, junto com minha resposta:

Recentemente, amigos e leitores se mobilizaram por conta da falta de oportunidade remuneradas para você poder seguir com seus trabalhos. Teria algo a dizer acerca das dificuldades de um artista e de um entusiasta da literatura no Brasil atual?

Porra. Retrocessos brasileiros. É evidente que eu deveria ter direito a uma bolsa para prosseguir, por exemplo, sobre poesia e xamanismo – tenho algumas novidades, percepções originais do tema. Currículo para isso eu tenho. Ou então, poderia ser chamado para dar cursos, oficinas e tal regularmente, sem levar vida de frila. Apoio à produção de conhecimento, em geral, retroagiu no Brasil. Há, inclusive, fuga de cérebros, gente que se mudou para outro lugar.

O que vem por aí?

Dias ácidos, noites lisérgicas, crônicas. Vocês gostarão. Escrevi em três meses. Algo – mas só com subvenção, bolsa – sobre poesia e xamanismo.

Meus motivos para reclamação – e pedidos de ajuda que receberam apoio e solidariedade – estão detalhados neste post, na página do Instituto Hilda Hilst, preparado por meu amigo Gutemberg Medeiros, repercutindo o que foi publicado na rede social por meu amigo Oswaldo Pepe:

https://www.facebook.com/InstitutoHildaHilst/posts/vamos-ajudar-o-poeta-cl%C3%81udio/1546539658772091/

Subsistem. Quarto à poesia e xamanismo, estou preparando algo para apresentar no Colóquio de Estética Indígena, em Goiânia, na próxima semana. Será tema de meu próximo post. Também pretendo publicar algo sobre poetas / intelectuais em dificuldades – alguns precursores notáveis, inclusive em tempos nos quais não havia esse apoio de redes sociais e do meio digital.

 

CANTORAS NEGRAS

price2-800x445

A extraordinária cantora lírica Leontyne Price. Deslumbrante no repertório de soprano dramático e lírico-spinto. Nascida em 1927, protagonizou inicialmente papéis específicos para negras, como Porgy (de Gershwin) e Aida (de Verdi). Causou alguma comoção na primeira vez em que interpretou Tosca de Puccini, personagem “branca”, não especificamente negra, em 1957, na NBC. Recebeu um firme apoio do maestro Herbert von Karajan, que a chamou para turnês europeias, entre outros. Estrearia no Metropolitan em 1961. Lá se tornaria a ‘prima donna’, titular absoluta.

Tenho a gravação histórica, Il Trovatore de Verdi, regência de Karajan, com Price, Franco Corelli, Ettore Bastianini e Giulietta Simionato.

Amostras de sua qualidade:

https://www.youtube.com/watch?v=x0wJ0FBlcNA – em Aida de Verdi – na sequência, no mesmo youtube, com Pavarotti em Un ballo in maschera, nove minutos de bela cantoria, e outros bons trechos de ópera.

https://www.youtube.com/watch?v=qOWCa1HkfBM – La Traviata.

https://www.youtube.com/watch?v=OTZQHA73TXw – Norma de Bellini.

Já havia postado no Facebook sobre Marian Anderson, a contralto negra, voz inigualável segundo Arturo Toscanini – esse monumento ético, além de principal maestro de seu tempo. Para apresentar-se no Lincoln Memorial em 1939 – época de racismo fortemente institucionalizado – recebeu o apoio de Eleanor Roosevelt.

Aqui, Marian: https://www.youtube.com/watch?v=mAONYTMf2pk&feature=youtu.be

Nos comentários ao meu post, foram mencionadas cantoras negras de jazz. Lembro que Bessie Smith morreu sem atendimento médico porque o hospital aonde a levaram após um acidente automobilístico era só para brancos. E Billie Holiday recebeu marcação severa – proibida inclusive de apresentar-se profissionalmente por um tempo. B. B. King, já famoso como rei dos blues, rei do blues, e seus músicos, quando faziam turnê dormiam no ônibus depois de se apresentarem em cidades cujos hotéis não aceitavam negros.

Quanto a Dona Ivone Lara, a celeuma recente sobre quem a interpretaria isso não poderia ser entendido como um reverso, relação de espelho, do racismo?

O “HIPSTER”: SIGNIFICADOS, ORIGENS, ETIMOLOGIA

Havia postado no Facebook:

A mudança do sentido de “hipster”, de boêmio da pesada para alguém descolado, criador de moda: isso é coisa de jornalista brasileiro ou aconteceu antes lá, nos Estados Unidos? Mantive “hipster” – “hipsters com cabeça de anjo” – em minha tradução de Uivo de Ginsberg. Tenho algo sobre a etimologia / origem do termo. Acham que valeria a pena postar em meu blog?

Pergunta suscitou interesse. Transcrevo alguns comentários. Em seguida, até onde cheguei quanto à etimologia / origem do “hipster”.

ALGUNS COMENTÁRIOS:

Renata D’Elia: Veio antes dos gringos. Leia sobre o Brooklyn “hipster” de Nova York, Claudio Willer! São chamados de new hipsters. Rola até um padrão de barbas e de vestimentas.

Antonio Bivar: Aconteceu nos States, Claudio Willer, e corre mundo americanizado. Faz tempo, já.

Afonso Luz: Seria fundamental falares disso, pois começou com uma sociologia pouco cuidadosa de associar o “hipster” ao processo de “gentrification” da vida urbana, como se ele fosse o verdadeiro responsável pelos esquemas de operação financeira em áreas degradadas em que habita, quando na verdade há muito mais sob estas escolhas do que uma simples conveniência estética. Desde os anos 80 muitos dos empreendimentos imobiliários tentam transformar traços do experimentalismo em maneirismos decorativos das suas propostas comerciais, muito embora não sejam nunca de fato “hipster” e apenas uma sombra disso, como o art-deco já havia feito com o cubismo no início do século passado. E no Brasil isso ainda fica completamente deslocado, tanto de um lado como de outro, por conta de a gente também incorporar a crítica a esse processo de gentrificação de uma maneira também colonizada (e ressentida), sem que se tenha de fato uma construção reflexiva sobre ela, a ponto de “hipster” ter virado um xingamento da moda na boca daqueles que nem sabem do que estão falando.

Betty Vidigal, citando: “”Initially, hipsters were usually middle-class white youths seeking to emulate the lifestyle of the largely black jazz musicians they followed.”

Assis de Mello: Não deixe de postar, Willer!! Esse sentido de “hipster” atual macula a imagem tão temida, mas tão dadivosa, atribuída pela sociedade americana nas décadas de 50 e 60. Esse termo é para os beat e os hippie que ousaram tentar mudar o mundo para melhor. Kerouac, Ginsberg, Ken Kesey, Leary, e todos os outros, não merecem a sombra desses poodles de passarela de hoje.

Tito Martino: o termo vem da subcultura do Jazz anos 40 –Hipster or hepcat, as used in the 1940s, referred to aficionados of jazz, in particular bebop, which became popular in the early 1940s. The hipster adopted the lifestyle of the jazz musician, including some or all of the following: dress, slang, use of cannabis and other drugs, relaxed attitude, sarcastic humor, self-imposed poverty, and relaxed sexual codes.

Rodrigo Schaeffer: Convém lembrar que Kerouak fez uso do neologismo no clássico On the Road, onde ao elogiar o boêmio existencialista amante do jazz, viria a criar origem da palavra hippie, do hipster ou seja, algo como super, hiper… Lembro dessa mesma discussão ainda nos anos 80, antes da palavra ganhar status mainstream, onde revistas como cHiclete com Banana, do Angeli, trazia a tona a vanguarda passada a limpo no início da Abertura política na república das bananas. ..

ETIMOLOGIA / ORIGEM:

Em dicionários etimológicos, é observado que o exuberante blueseiro Cab Calloway (aprecio muitíssimo) havia utilizado a expressão “hepcat” nos anos de 1930. “Hipster” e “hip cat” viriam de “hepster”, palavra também misteriosa. Aliás, Kerouac vê um “hepcat” diante de sua janela, em Desolation Angels.

Mas eu tenho outra interpretação. Aliás, admitida por algum dos dicionários etimológicos que consultei há tempos. Seguinte: existe a “Hip flask”. Aquela garrafinha de bolso, achatada, contendo bebida alcoólica, preferencialmente uísque, de um tamanho que coubesse no bolso lateral do paletó – na altura do quadril, o “hip”. Muito usada por bebuns durante a Lei Seca, para encherem a cara discretamente. Portanto, vem dos anos de 1920 – a desastrosa proibição de comercializar bebida alcoólica, para satisfação de contrabandistas, destiladores clandestinos e mafiosos, durou de 1921 a 1933. Originariamente, “hip cat” seria, penso, quem trazia consigo a “hip flask”. “Hipster”, o doidão completo; e assim o termo estendeu-se para usuários de outras coisas e boêmios em geral.

Hippies? Aparecem em 1965/67. Crias dos beatniks e dos hipsters. Lembrando que a expressão “Beat Generation” foi criada por Jack Kerouac e John Clellon Holmes em 1948 – antes, os da turma tinham-se como “hipsters”.

No mais, concordo inteiramente com o que foi dito sobre a banalização do termo, agora desprovido do que tinha de transgressivo ou subversivo. Imaginem, os “angelheaded hipsters” de Ginsberg visualizados como barbudos descolados, instalando-se em “lofts” elegantes.

E, convenhamos, há caipiras! Fotos de uns agentes da PF conduzindo figurões para a cadeia – pela pinta de galãs, foram designados na matéria como “hipsters” … ! A que ponto chegamos … Estou chocado, escandalizado.

Lautréamont para homofóbicos

Quantidade de coisas para fazer – inclusive divulgação do que preparamos para os 80 anos de Piva. Mas, diante da efusão de alucinados atacando mostras de arte, encenações e o que estiver ao alcance, homenageio-os co0m a publicação de um trecho de Os cantos de Maldoror de Lautréamont, o começo da estrofe dos pederastas (quinta estrofe do Canto Quinto, na minha tradução na edição da Iluminuras):

“Ó pederastas incompreensíveis, não serei eu quem irá lançar injúrias contra vossa grande degradação; não serei eu quem irá atirar o desprezo contra vosso ânus infundibuliforme. Basta que as doenças vergonhosas, e quase incuráveis, que vos assediam, tragam consigo seu infalível castigo. Legisladores de instituições estúpidas, inventores de uma moral estreita, afastai-vos de mim, pois sou uma alma imparcial. E vós, jovens adolescentes, ou melhor, mocinhas, explicai-me como e porquê (porém mantende-vos a uma distância conveniente, pois eu também não sei resistir a minhas paixões) a vingança germinou em vossos corações, para ter feito aderir ao flanco da humanidade tamanha coroa de feridas. Vós a fazeis ruborizar-se por seus filhos, por vossa conduta (que, de minha parte, venero!); vossa prostituição, oferecendo-se ao primeiro que vier, põe à prova a lógica dos mais profundos pensadores, enquanto vossa sensibilidade exagerada ultrapassa o limite do espanto da própria mulher. Sois de uma natureza mais ou menos terrestre que a de vossos semelhantes? Possuís um sexto sentido que nos falta? Não mintais, e dizei o que pensais. Não é um interrogatório, isto que vos faço: pois, desde que freqüento como observador a sublimidade das vossas inteligências grandiosas, sei até onde devo ir. Sede abençoados por minha mão esquerda, sede santificados por minha mão direita, anjos protegidos por meu amor universal. Beijo vosso rosto, beijo vosso peito, beijo com meus lábios suaves as diversas partes do vosso corpo harmonioso e perfumado. Porque não dissestes logo quem éreis, cristalizações de uma beleza moral superior? Foi preciso que eu adivinhasse sozinho os inumeráveis tesouros de ternura e castidade que ocultavam as batidas de vossos corações oprimidos. Peito ornado de grinaldas de rosa e vetiver. Foi preciso que eu abrisse vossas pernas para vos conhecer, e que minha boca se pendurasse às insígnias de vosso pudor. Mas (coisa importante para ter em mente) não esquecei de, todo dia, lavar a pele de vossas partes com água quente, pois, senão, cancros venéreos cresceriam infalivelmente sobre as comissuras fendidas dos meus lábios insaciados. Ó! se em lugar de ser um inferno, o mundo não fosse mais que um imenso ânus celeste, vede o gesto que faço com meu baixo ventre: sim, teria enfiado minha vara através do seu esfíncter sangrento, destroçando, com meus movimentos impetuosos, as próprias paredes do seu recinto! A desgraça não teria soprado, então, dunas inteiras de areia movediça nos meus olhos cegos; teria descoberto o lugar subterrâneo onde jaz a verdade adormecida, e os rios do meu esperma viscoso teriam assim encontrado um oceano onde precipitar-se. Mas porque me surpreendo a lamentar-me por um estado de coisas imaginário, que nunca receberá a recompensa da sua realização ulterior? Não vale a pena construir fugazes hipóteses. Enquanto isso, que venha a mim aquele que arde no desejo de compartilhar meu leito; mas imponho uma condição rigorosa a minha hospitalidade: é preciso que não tenha mais de quinze anos. Que ele, de sua parte, não acredite que eu tenha trinta: que diferença faz? A idade não diminui a intensidade dos sentimentos, longe disso; e, embora meus cabelos tenham se tornado brancos como a neve, não foi por causa da velhice; foi, ao contrário, pelo motivo que sabeis. Eu não gosto das mulheres! Nem mesmo dos hermafroditas! Preciso de seres semelhantes a mim, em cujas testas a nobreza humana esteja marcada em caracteres mais nítidos e indeléveis!