Em 1978, o governo do Estado de São Paulo anunciou a construção de um aeroporto internacional na reserva florestal de Caucaia do Alto, adjacente a Cotia. Protestos fizeram que desistissem, optando por Guarulhos. Uma das manifestações, organizada pelo movimento Arte e Pensamento Ecológico, consistiu em ir lá. Participei. Invadimos, passamos o dia na reserva. Na volta, escrevi este poema, que saiu em Jardins da Provocação e depois em Estranhas Experiências.
Poucos dos meus poemas são explicitamente temáticos, embora a tensão do meio urbano e natureza os atravesse. Se aquele projeto tivesse sido realizado, sofreríamos mais ainda com esta onda de calor. O racionamento de água que vem aí chegaria antes. Por motivos agora evidentes, deveriam ter sido feitas outras manifestações, em defesa da Serra da Cantareira, hoje reduzida em vários trechos a uma fatia de mata, ainda assim invadida. E da Serra do Mar, é claro. Mais sobre o tema em postagens anteriores neste blog, inclusive uma intitulada “Adeus, ecocéticos”, sobre o Painel do Clima da ONU.
por mim teria ficado por lá mesmo
no altiplano
onde tudo começou
bem acima
destes bolsões de pânico
bem longe
deste mundo coagulado
na devida distância
desta fantasia sulfurosa
na qual moramos
teria ficado por lá mesmo
mergulhado na lagoa de reencontros
escavada na superfície do planeta
em sua primitiva forma
ficar por lá mesmo
encontrar o mais puro rastro vegetal
entre samambaias sem memória
cipós de sabedoria
e círculos de névoa
ficar por lá mesmo
buscar o segredo do arenito
a linguagem da pedra
percorrer o avesso da consciência
ficar por lá mesmo
nunca mais sair
deste planeta
frio e luminoso
e sempre celebrar
a redescoberta do corpo
pela planta dos pés