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Lançamento de Celso de Alencar, amanhã (quinta feira, dia 14) e um poema

O coração dos outros, poemas, publicado pela Pantemporâneo, editora de Valdir Rocha.
Escrevi o posfácio. Texto da orelha de Floriano Martins.
Será na livraria Martins Fontes, à Avenida Paulista 509. A partir das 18:30.
Do livro anteriores de Celso, Poemas perversos, tenho comentado, em oficinas literárias, o “Poema para lembrar que a morte existe” para mostrar como a parte ou o fragmento podem valer pelo todo; e como se usa o recurso da falsa descrição, designando uma coisa para expressar outra. Transcrevo-o e também meu comentário:

Pela manhã
como quatro torradas
cobertas com mel de abelha.

E fico à mesa
onde estão guardados os botões para casacos
me alimentando e dispersando com sopros
as formigas que caminham levando
os restos das torradas.

Eu as vejo andando lentamente
iguais mulheres magras
sobre poentes iluminados.
Não sei o que pensam
nem o destino da carga que carregam.

Eu fico à mesa
com uma única fisionomia.
Única nas mãos.
Vendo o saco de leite vazio
no colo do gato.
As maçãs apodrecendo sobre
a antepenúltima letra do mês de fevereiro.
A garrafa do café, sem uma gota de café.
Os chapéus e os véus sobre os chapéus.
A casca de banana, sem banana.
E as folhas de chá escondidas
entre uma lua e outra.

Eu como
torradas com mel de abelha.
E conto os dias.
Diariamente eu conto todos os dias.
Sempre pela manhã
quando como
as torradas cobertas com mel.

Seria capaz de dar uma palestra sobre os recursos de estilo mobilizados na aparente simplicidade desse poema. As repetições que conferem ritmo. O acréscimo de força por maçãs apodrecerem sobre “a antepenúltima letra do mês de fevereiro”, e não sobre o tampo da mesa ou qualquer outro lugar. O aparente arbitrário das folhas de chá “escondidas / entre uma lua e outra” e não no previsível fundo da xícara; ou da comparação do lento andar das formigas com “mulheres magras / sobre poentes iluminados”. Sua “única fisionomia” (mas quantas deveria ter?); porém “Única nas mãos” (mas não deveria ser no rosto?). A proposital redundância da “casca de banana, sem banana” (é claro – se não, seria uma banana, e não apenas a casca); ou de “Eu conto os dias. / Diariamente eu conto todos os dias” (se é diariamente, então forçosamente são todos os dias…). A repetição elegantemente musical de “Os chapéus e os véus sobre os chapéus”. A falsa exatidão de “Pela manhã / como quatro torradas / cobertas com mel de abelha” (e porque não duas, três ou cinco? mel de abelha – mas do que mais poderia ser?).
Um poeta mais ingênuo se aferraria ao tema; exporia todas as variações sobre a inexorabilidade do tempo, a inevitável vinda da morte. Celso de Alencar, a rigor, não diz nada– por isso, torna presente o Nada, com todo o seu peso filosófico. Diz tudo.

O III Festival Internacional de Poesia do Recife

Participo. Em uma roda de poesia, na quinta feira, dia 22, às 19 h, e uma conversação sobre “Poesia, xamanismo e transe” na sexta feira às 16:30. As atividades são na Torre Malakoff, na praça Arsenal da Marinha, na parte histórica e portuária da cidade – bonita e bem restaurada, já estive lá (o lugar foi nomeado em 1853 em alusão a um episódio da Guerra da Criméia….). Penso que faz tempo São Paulo deveria ter algo dessa envergadura.
Informa sobre a programação um dos organizadores, o poeta e ensaísta José Juva –há uma sessão homenageando Piva:
“O III Festival Internacional de Poesia do Recife está na curva, logo ali.
Quarta-feira (21/05), tem Banca de Tarot e Poemas, uma performance de Conrado Falbo. Lá na praça Maciel Pinheiro, a partir das 14h.
quinta-feira (22/05) tem roda de poesia, às 19h, com um monte de gente boa e louca, poetas selvagens e lunáticos como Allan Jones, Leandro Durazzo, Claudio Willer, Matilde Campilho, Douglas Diegues e Sérgio Medeiros. Lá na Torre Malakoff.
A brincadeira segue com uma conversa sobre tradução do sagrado entre Artur de Ataíde, Everardo Norões e Jacques Demarcq, às 20h.
Pra tocar fogo na cidade-sucata, às 21h30, o show de encerramento da noite, “UMA ALUCINAÇÃO NA PONTA DE TEUS OLHOS”, fica por conta do projeto PIVa – Poesia Incendiária Valvulada, clã que reúne os músicos Rama Om, Juliano Muta, Leo Vila Nova, Tiago West e eu, este escritor azulado feito Krishna.
Na sexta (23/05), participo de uma conversa sobre “Poesia, xamanismo e transe”, junto com Bruno Piffardini e Claudio Willer, às 16h30, também lá na Torre Malakoff.
O Festival continua no sábado e domingo, com muito barulho e visão, com poesia mexendo com realidades não-humanas do planeta!
Releases do evento em
festivalinternacionaldepoesia.com
http://outroscriticos.com/festival-internacional-de-poesia-do-recife-ano-2/

Palestra sobre Jorge de Lima em União dos Palmares, AL, terra de Jorge de Lima, a 23/04, dia de Jorge de Lima

Na Serra da Barriga, no reduto de Zumbi dos Palmares, com Claude Rodrigues e Mano Melo; as demais fotos, diante da casa / memorial de Jorge de Lima e durante a palestra

Na Serra da Barriga, no reduto de Zumbi dos Palmares; as demais fotos, diante da casa / memorial de Jorge de Lima e durante a palestra

Diante da casa de Jorge de Lima em União dos PalmaresPalestra sobre Jorge de Lima em União dos Palmares, AL, terra de Jorge de Lima, a 23/04, dia de Jorge de Lima

Manoel de Barros

Dois autores brasileiros aos quais sinto que devo pesquisas e ensaios: Campos de Carvalho e Manoel de Barros. Sobre Campos de Carvalho, disse algo em um curso sobre poesia e prosa, este ano. Sobre Manoel de Barros, acabou de sair artigo: “O valor literário: Manoel de Barros”, Anais do 1º Encontro Estadual de Literatura em Mato Grosso do Sul, Samuel  Xavier Medeiros, org., Campo Grande: União Brasileira de Escritores.

A seguir, algo de sua poesia. O primeiro dos poemas, li e sugeri como epígrafe das quintas-feiras poéticas de Paulo Sposati Ortiz na Casa das Rosas, em uma sessão sobre “oficineiros willerianos”, em julho deste ano.

 

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio

Respeito as oralidades

Não oblitero moscas com palavras.
Uma espécie de canto me ocasiona.
Respeito as oralidades.
Eu escrevo o rumar das palavras.
Não sou sandeu de gramáticas.”

O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que 

primeiro em água e luz. Depois árvore. Depois 

lagartixas. Apareceu um homem na beira do rio. 

Apareceu uma ave na beira do rio. Apareceu a

concha. E o mar estava na concha. A pedra foi 

descoberta por um índio. O índio fez fósforo da 

pedra e inventou o fogo pra gente fazer bóia. Um 

menino escutava o verme de uma planta, que era 

pardo. Sonhava-se muito com pererecas e com 

mulheres. As moscas davam flor em Março. Depois 

encontramos com a alma da chuva que vinha do lado 

da Bolívia – e demos no pé. 

(Rogaciano era índio guató e me contou essa cosmologia).

Manoel de Barros, assim como muitos outros poetas é um fingidor (como dizia Fernando Pessoa). Finge-se de ingênuo, uma vez ou outra; enorme conhecedor da poesia como é, percebemos que estamos diante de um erudito, um erudito literário que dialoga com Baudelaire, Rimbaud, Homero e os clássicos, ao mesmo tempo em que dialoga com o índio guató a que ele se refere, bem como a todos aqueles marginais, aqueles andarilhos de beira de estrada que ele traz para seus textos e que também são reais.

(E sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso porque não encontrou um título para os seus poemas. Um título que harmonizasse os seus conflitos. Até que apareceu Flores do mal. A beleza e a dor. Essa antítese o acalmou.)

As antíteses congraçam. (p. 340)

Vejam que belo exemplo de metalinguagem, as antíteses congraçam.

 

Barueri à tarde, Casa das Rosas à noite; palestra e apresentação de poetas

Tudo acontecerá nesta quinta-feira:

À TARDE:

Palestra do Dia do Escritor: “Poesia, história e sociedade”, por Claudio Willer: 

Dia 25/07 às 15:40 – Câmara Municipal de Barueri           

Endereço: Al. Wagih Salles Nemer, 200 CEP 06401-134, Barueri; telefone:(11) 4199-7900

Promoção: Departamento de Eventos – Secretaria de Cultura e Turismo de Barueri

À NOITE:  (claro que irei)

Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37
QUINTA POÉTICA
Curadoria: Paulo Sposati Ortiz.
Promovido pela Escrituras Editora.
Quinta-feira, 25 de julho, 19h.

Reúne boa poesia, com diferentes expressões artísticas, como dança, música, artes plásticas e cultura popular, envolvendo a leitura dos poemas.

59ª edição
Tema — Reencontro de beat-simbolistas: os oficineiros willerianos.
Convidados — Diogo Cardoso, Jeanine Will, Luís Henrique Nogueira e Vince Vinnus.
Participações especiais — Danã- Performance (teatro) e Gemini Lorca (música).

Publicarei em breve, neste blog, uma crônica sobre nudez – ainda não o fiz por falta de tempo – assunto não falta, cf. minha postagem anterior..

A nova data do novo lançamento da nova edição da Revista Celuzlose:

(Será que este título está redundante?)

Informa Victor del Franco, o editor:

A nova data de lançamento da terceira edição impressa da Celuzlose já está marcada.

Será na Casa das Rosas dia 04 de julho, quinta feira, a partir das 19 h.

 Mais informações no link abaixo:

http://celuzlose.blogspot.com.br

 Junto com o lançamento da revista, haverá um encontro sobre “A poesia mexicana hoje” com a apresentação dos primeiros livros do Projeto EPRO, organizado por Mantis Editores, com o apoio do Consejo Nacional para la Cultura y las Artes (CONACULTA). Curadoria do poeta e professor mexicano Luis Aguilar e participação dos poetas e editores Paulo Ferraz e Victor Del Franco.

Lembrando, é a boa revista criada por Victor Del Franco, publicada em parceria pela Dobra e Patuá. Saiu o número 03, ou terceira edição impressa – alterna impresso e digital.

Poesia, ensaios, depoimentos. Satisfação em colaborar – desta vez, com um capítulo do ensaio ainda inédito (ainda inédito…!) sobre beats e rebelião religiosa – edições anteriores, foram poemas, entrevista, o ensaio sobre poetas da natureza.

irei. Iremos…? (iremos!)

Ia ser no Canto Madalena e foi adiado em função de manifestações e mobilizações. Casa das Rosas é mais acessível – confortável – desde que não haja mais – abriremos mão das cachaças e coisas de brasileiro típico do outro local.

A seguir, pauta da revista.

 Celuzlose 03 (versão impressa)

 

(clique na imagem para ampliar)

 

NESTA EDIÇÃO

Entrevista
Tarso de Melo

BR.XXI – Literatura Brasileira Contemporânea
Carina Carvalho

Carolina Barreto

Cesar Cardoso

Charles Marlon

Dalila Teles Veras

Edimilson de Almeida Pereira

Hélio Neri

Julio Mendonça

Leo Gonçalves

Luis Estrela de Matos

Marcelo Montenegro

Maria Alice de Vasconcelos

Rafael F. Carvalho

Reynaldo Bessa

GEO – Literatura sem Fronteiras
Gustavo Caso Rosendi (Argentina)
Jesús Ernesto Parra (Venezuela)

Caderno Crítico
A cidade e a vertigem: a poesia de Roberto Piva – por Susanna Busato
O túnel e o subsolo: presença de Dostoiévski

     em Ernesto Sabato – por Wanderson Lima
“Como se chama o que sinto?” a pergunta
     em Clarice Lispector – por Vera Helena Rossi
Poesia (Im)popular Brasileira: uma antologia necessária – por Adriano Scandolara

Uma conversa com Julio Mendonça,

     organizador da antologia Poesia (Im)popular Brasileira

Jack Kerouac: a poesia, a música e a fala de Deus – por Claudio Willer

BIO – Vida & Obra
Qorpo-Santo – por Julio Mendonça

LÚCIDA RETINA – Poesia Visual
Julio Mendonça

Paulo de Toledo

Poesia.br: o lançamento

Será esta quarta-feira, dia 10 de abril, na Casa das Rosas, Avenida Paulista n. 37, a partir das 19 h (haverá algum atraso protocolar brasileiro, acho).

Estarei. Direi poemas. Também confirmam presença Frederico Barbosa, Claudio Daniel, Fabio Weintraub, Heitor Ferraz, Tarso de Melo e Marcelo Montenegro. Igualmente, vocalizarão seus escritos.

Poesia.br é uma caixa com dez volumes, cobrindo a poesia brasileira desde antes do Descobrimento até hoje, publicada pela Azougue editorial. Conforme a página da editora: http://www.facebook.com/azougue.editorial.

Um empreendimento colossal. Ainda mais, por ter ficado a cargo de um só organizador, o editor e poeta Sergio Cohn.

A destacar a inclusão dos índios, ou seja, da poesia que, ao mesmo tempo, é contemporânea e representa o período anterior à colonização. Ao fazer isso, Cohn abalou uma pilha de tratados de história da literatura. Incluindo também o século 21, ele juntou as duas pontas, do mais arcaico e do mais contemporâneo. Deu um formato circular à série.

Poesia.br teria patrocínio, mais que justificado, do Ministério da Cultura – porém cortado, assim como outros projetos da editora, como a série publicando cantos de índios, na mudança da antepenúltima para a penúltima gestão. Idiossincrasias, parece. Deixaram Cohn a pé, na mão – mas, mesmo assim, corajosamente, prosseguiu. Entre a estabilidade financeira e a realização de seus projetos, ficou com a segunda opção. Motivo adicional para prestigiar.

Critérios de inclusão, escolhas, evidentemente, dão polêmica. Já deram, na boa cobertura da Ilustrada, em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/102259-verso-reverso-controverso.shtml . Brinquei com a jornalista: disse que há dois tipos de antologia de poesia contemporânea brasileira sobre os quais prefiro não me manifestar. Um, antologias de que não faço parte, por motivos evidentes. Outro, antologias de que faço parte, nas quais fui incluído, por motivos igualmente evidentes. Brincadeiras à parte, jamais uma antologia ficará incólume. Boas antologias – a exemplo de Poesia.br – tem função pedagógica. Orientam leitores e pesquisadores. Estimulam debate. O caso, também, de outra série de antologias, Roteiro da poesia brasileira: Global, 2011. O volume sobre anos 60, seleção e prefácio de Pedro Lyra, não comentarei, pelo segundo dos motivos que acabo de registrar. Interessa comparar – mas a série da Global ficou a cargo de uma equipe de especialistas e levou uns dez anos para ficar pronta.

Poeta refinado, como pode ser visto em seu recente O sonhador insone, Sergio Cohn vem manifestando sua vocação de divulgador da poesia, através de entrevistas e seleções de poemas, desde 1994, através da revista Azougue e da subseqüente editora; nessa, com almanaques, coletâneas (acho da maior importância a que ele preparou sobre geração beat), edições de poetas contemporâneos, séries como Encontros, de entrevistas, e pesquisas. Poesia.br é mais uma etapa importante desse trabalho.

Em tempo: a caixa toda custa R$ 89,00, ou seja, R$ 8,90 por volume. Democratização da poesia é isso aí.

Vocalização e recriação dos meus poemas em transmissão radiofônica

No limiar da alucinação sonora, o que Wilmar Silva, um poeta de imagens, organizador das terças feiras poéticas, e Francesco Napoli, poeta e músico, fizeram no programa Trofonia da rádio da UFMG. Um dos momentos da bela recepção que tive na semana passada em Belo Horizonte.

Acreditam que nunca havia sido musicado? É uma estréia. Estreamos sempre. Musicar minha poesia é simples: basta ter talento e entender-me. Quanto ao modo como Wilmar e Francesco transmitem leitura de poesia, corrobora o que sempre digo, citando Octavio Paz: a leitura é paralela à criação original; é recriação. Multiplicação de sons expõe o caráter múltiplo, polifônico, do poema. Em especial, a interpretação de “Biografia selvagem” (está na segunda faixa) e outras de minhas prosas poéticas traduz sentidos desses poemas.

Também conversamos sobre poesia, Geração Beat, poemas de Piva, xamanismo, surrealismo, poetas contemporâneos, ironias para neo-conservadores e outros dos meus temas preferidos. Divertimo-nos, de modo evidente.

Uma hora de programa, quatro segmentos em mp3. Ouçam – e divulguem, acho que o resultado merece ampla difusão.

http://www.4shared.com/mp3/J6l5xyKs/tropofonia_claudio_willer_bloc.html

http://www.4shared.com/mp3/HGofpzNG/tropofonia_claudio_willer_bloc.html

http://www.4shared.com/mp3/3r4s23Ak/tropofonia_claudio_willer_bloc.html

http://www.4shared.com/mp3/WZxq-iAC/tropofonia_claudio_willer_bloc.html

Ler Paulo Mendes Campos

Boa notícia, reedições de Paulo Mendes Campos pela Companhia das Letras. Saiu nestas matérias do caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, por Raquel Cozer:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/96345-acerto-de-contas.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/96346-autor-levou-verve-poetica-para-a-cronica.shtml

Espero que publiquem logo Domingo azul do mar, sua principal coletânea de poemas. Considero Paulo Mendes Campos um poeta de especial qualidade, capaz de sonetos que se equiparam aos de Vinícius e prosa poética de imagens livres, surreal. Principalmente, um poeta da poesia: no que escreveu, sempre, a presença do que leu, como intertexto e homenagem aos poetas que o inspiraram. Tempos atrás, publiquei ensaio sobre ele na Revista da Civilização Brasileira; atualizei-o, para o Jornal do Brasil, a propósito do lançamento de seus Melhores poemas pela Global; e acabei revendo-o e publicando na revista Agulha:

http://www.revista.agulha.nom.br/ag20campos.htm

Retomarei. Colocar on line o “Poema das aproximações” e sua homenagem a García Lorca. Acho absurdo um poeta como ele ser pouco estudado e ter uma ensaística rala – quase nada sobre sua poesia, além do que escreveram (bem) seus conterrâneos Guilhermino César e Fábio Lucas. É o Brasil que não se lê (como já havia observado aqui a propósito de Campos de Carvalho, e certamente voltarei a comentar). Jornalisticamente ou biograficamente também haveria mais – como foi, ele e Clarice?

Saiu um belo caderno dedicado à crônica no Suplemento Literário de Minas Gerais, organizado por Humberto Werneck – tudo é bom nessa coletânea, mas ao chegar-se àquela de Paulo Mendes Campos percebe-se, intuitivamente, que é algo diferente. Texto de poeta. As colaborações para a revista Manchete eram diversificadas e híbridas, confundia ou identificava crônica e poema.

Bom, também, saber que será reeditado o original Diário da tarde, de 1981 – de Massao Ohno e Roswitha Kempf em parceria com a Civilização Brasileira. Tenho. Também é, entre outros temas, sobre leitura. Havendo exemplares disponíveis, usarei em rodas de leitura e oficinas literárias: serão prazerosas.

Em tempo (adicionado no dia seguinte, domingo): Adivinhem quem me chamou a atenção para a qualidade de Domingo azul do mar. Sim: Roberto Piva. Em 1960. Havia acabado de sair por aquela editora de Fernando Sabino & friends, Editora do Autor, ou Sabiá, não lembro. Piva, 50 anos ou mais à frente da crítica – também costumava dizer de memória poemas de Invenção de Orfeu de Jorge de Lima.

(Dei um tempo no exame do que tresanda do Vaticano – mas retomarei, a produção de bobagens por cardeais torna esse assunto irresistível)

De Luis Aranha a Roberto Piva

Luis Aranha, poeta marginal? Penso que sim, que foi um renegado do modernismo. E, a meu ver, um poeta especialmente interessante. Foi o que acharam os que vieram a minha palestra sobre poesia e cidades a 20 de outubro, convidado por Vince Vinnius e o grupo teatral Pandora, em Perus.

Aranha participou da Semana de 22; figura em fotos do grupo modernista. Autor de um único livro, Cocktails, sua poesia foi inicialmente designada como “preparatoriana” e em seguida como “desastre” por Mário de Andrade. Dedicou-se à carreira diplomática e não publicou mais nada até a morte em 1987. Cocktails teve reedição pela Brasiliense, muito bem preparada por Nelson Ascher e Rui Moreira Leite, em 1984. A pesquisa mostra dezenas de exemplares desse livro á oferta em sebos. Em livrarias, nada. Na blogosfera, pouca coisa.

Comparações entre Roberto Piva e modernistas brasileiros levariam à constatação de que ele é muito próximo a Paranóia, inclusive pelo modo como confunde o “eu” e a cidade, sua própria subjetividade e aquilo que o rodeia:

Sou um trem

Um navio

Um aeroplano

Sou a força centrífuga e centrípeta

Todas as forças da terra

Todas as dimensões e todas as liberdades

Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal

O meu corpo é um clarim […]

Ou:

Eu era uma bússola

Teu rosto um quadrante

Uma roda

Um ventilador

Em Piva:

a lua não se apóia em nada

eu não me apoio em nada

sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas

Ou então:

eu sou uma solidão nua amarrada a um poste

fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago

Poderia seguir, nessas comparações. O melhor de Aranha está em poemas mais extensos e delirantes, como o “Poema giratório” (talvez, o que mais tivesse desagradado a Mário). Também há, nele, uma precursora metalinguagem, comentários no corpo do próprio poema, auto-reflexivos. Piva não o conhecia, me parece. Não circulava no período de criação de Paranóia. Sincronias. Caberia projetar nessa sincronia o que Borges disse, em “Kafka e seus precursores”, sobre os autores que criam seus precursores, enriquecendo a leitura dos que os precederam: Entre outros desses ‘precursores’ de Kafka – Zeno, Han You, Leon Bloy, Dunsanny, Browning – está Kierkegaard, por histórias como aquela das expedições ao Pólo Norte recomendada por párocos dinamarqueses (“Finalmente, anunciariam que qualquer viagem – da Dinamarca a Londres, digamos, em um vapor de carreira –, ou um passeio dominical de carro de praça são, pensando bem, verdadeiras expedições ao Pólo Norte”). Interessam as conclusões extraídas por Borges dessas leituras retrospectivas, de um “precursor” como Kierkegaard a partir do seu “sucessor” Kafka: “O fato é que cada escritor cria seus precursores. Seu trabalho modifica nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro.”[1]

A partir de Piva, lê-se mais em Cocktails de Aranha: Paranóia “cria”, produz esse e outros “precursores”.


[1] “Kafka y sus precursores”  está, entre outros lugares, em Borges, Jorge Luis, Ficcionario, Una antologia de sus textos, edição e notas de Emir Rodríguez Monegal, Fondo de Cultura Econômica, México D. F, 1985.